A fé actua pelo amor
Por norma, para aprender bem um percurso é preciso percorrê-lo mais do que uma vez e para fixar na memória conhecimentos adquiridos recomenda-se que se façam algumas repetições. Procedimentos semelhantes convém adoptar no que diz respeito à vivência da fé, que deve ser proclamada com frequência e posta em prática quotidianamente.
Ora, para ir de encontro a estas exigências da vida cristã, o papa Bento XVI tomou a luminosa decisão de proclamar o Ano da Fé, a fim de que os cristãos possam redescobrir o caminho da fé e intensificar a alegria e o entusiasmo que nascem do encontro com Cristo, fazendo deste ano um tempo de reflexão e de redescoberta da fé, um tempo de autêntica e renovada conversão e uma ocasião propícia para intensificar o testemunho da caridade.
Desde a primeira hora, o Ano da Fé foi acolhido na Igreja com grande entusiasmo e todos esperamos que produza frutos abundantes. Mas a Igreja, guiada pelo Espírito de Cristo e baseada na sua experiência bimilenária, todos os anos nos proporciona um tempo com finalidades semelhantes às do Ano da Fé. Trata-se da Quaresma, tempo litúrgico em que os cristãos e os catecúmenos também são convidados a redescobrir o caminho da fé, recorrendo à purificação espiritual, intensificando a participação no mistério pascal de Cristo, assumindo, individual e comunitariamente, os compromissos baptismais, pela profissão, celebração e vivência da fé.
A vivência da fé traduz-se no testemunho da caridade, como ensina S. Paulo, na carta aos Gálatas: a fé actua pelo amor (5,6). Com efeito, o verdadeiro amor está intimamente unido com a fé, tanto na sua origem como na sua expressão. Pois o amor não é fruto de uma simples decisão pessoal nem consequência de um mandamento ou de uma ordem vinda do exterior. O amor recebe-se como dom oferecido num encontro pessoal e desenvolve-se no interior da pessoa em resposta ao dom recebido. Por isso, só é capaz de amar quem primeiro é amado gratuitamente. É assim na ordem natural.
A criança torna-se capaz de amar porque foi amada primeiro. É assim na ordem sobrenatural. Nós somos capazes de amar porque Deus amou-nos primeiro e dotou-nos de capacidade para amar, como diz a primeira carta de S. João, palavra revelada que aceitamos pela fé. A mesma fé que ilumina a nossa mente para acolher o amor de Deus e nos impele a amar os outros seres humanos a exemplo de Jesus Cristo.
Daqui deriva a necessidade da fé para os agentes da caridade, porque o amor pelos outros não é imposto do exterior. Vem de dentro como consequência da fé e da consciência de serem amados pelo Senhor, que os capacitou para amarem, perdoarem e servirem os outros. Visto a esta luz, o amor não se pode separar da fé nem a fé da caridade.
No dizer de Bento XVI, afirmar a fé sem caridade é puro fideísmo oco e praticar obras a favor dos outros sem fé será simples activismo moralista. O cristão não se pode ficar pela solidariedade e ajuda humanitária. Tem que subir ao monte e aí saciar a sua sede de amor para que, voltando a descer com o rosto iluminado pela fé, não se limite a repartir bens materiais mas saiba também partilhar o dom do amor. É este o verdadeiro sentido da Quaresma para os cristãos que se deixam iluminar pela fé e a mostram aos outros pelas obras que praticam.
Nos nossos dias não faltam oportunidades de traduzir a fé em obras. Há muitos dos nossos concidadãos que vivem tempos difíceis, a braços com a pobreza, com a perda do emprego e com a incapacidade financeira para cumprir compromissos previamente assumidos.
Cresce, de dia para dia, o número de crianças e jovens, vítimas inocentes de uma crise que dura há demasiado tempo. Perante o panorama sombrio e interpelante, que nos rodeia, clama por justiça e continua à espera dos prometidos auxílios, não há explicação plausível que justifique a indiferença de alguém. E muito menos ainda quando se tem fé, porque a fé leva à acção e actua pelo amor.
Nesta Quaresma todos teremos oportunidade de avaliar a profundidade e a força da nossa fé mediante as obras de amor que formos capazes de praticar em favor das muitas pessoas carenciadas que vivem na nossa Arquidiocese e às quais se destina o produto da renúncia quaresmal, que, como nos outros anos, será recolhido pelos vigários da vara e encaminhado para a Cúria, que o distribuirá pelos grupos e instituições sócio-caritativas que actuam no terreno.
Évora, Fevereiro de 2013
D. José, Arcebispo de Évora