Cultivar a alegria da Páscoa
A alegria da Páscoa não tem igual. É profunda, duradoura, interior, irradiante. É uma alegria tipicamente cristã, que vence a raiz da tristeza e a monotonia do quotidiano cinzento. Tem um motivo transcendente, tem atravessado os séculos e ainda hoje está ao nosso alcance. Alegramo-nos porque Cristo ressuscitou para nós, venceu o pecado, a morte e o medo. A Ressurreição é um novo início, um novo dia, como uma nova criação: “Este é o dia que o Senhor fez; exultemos e cantemos de alegria”.
É uma alegria custosa. Só a alcançamos através do sacrifício. Na verdade, a alegria da Páscoa nasce da cruz. Como narra um hino litúrgico: “A primavera vem depois do inverno, a alegria virá depois da cruz”. A vida tem momentos de inverno, de despojamento, de prova, de fechamento, sem horizontes abertos. Passamos por momentos duros, por sofrimentos e crises. A cruz está sempre presente na vida humana e, por vezes, com pesado relevo. É nesses momentos que temos de fazer apelo à alegria da Páscoa. Como dizia Santa Teresa de Ávila: “A verdade padece mas não perece” A Páscoa vem depois e através da cruz, como a primavera florida, cheia de promessa de frutos, germina ao longo do inverno, como o grão de trigo que cai na terra e, morrendo, dá fruto.
A alegria da Páscoa é uma alegria que vence os tempos de crise. Não se adquire de repente, não nasce do consumo de bens ou estímulos exteriores, mas conquista-se pela luta contra a melancolia, o azedume, o individualismo, a impaciência. Como a virtude, é um hábito que se cultiva com esforço e dedicação. Passa pela renúncia aos ídolos do mundo para alcançar a liberdade. A adoração do dinheiro, do poder, da mentira, da vaidade enganam e, em vez de alegria, geram a dependência e a ambição, a inveja e o conflito, o vazio e a corrupção. A crise é um estímulo para repensarmos o nosso estilo de vida, a nossa dependência do consumo de bens materiais. A alegria não vem do ter mas do ser, não é apenas uma disposição momentânea mas uma convicção que se torna um estado de alma. É a alegria da descoberta e da dedicação ao essencial que sacia verdadeiramente o coração humano.
A religião da cruz é também a religião da ressurreição e da alegria. Na cruz Jesus é glorificado e atrai todos a si, porque pela cruz deu a maior prova de amor, venceu o pecado do mundo. A verdadeira alegria alcança-se pela vitória sobre o mal. Na maldade e na iniquidade está a fonte da tristeza e do mal estar. Na cruz de Jesus contemplamos a força do amor. Um amor verdadeiramente digno de fé porque vai até à cruz e por ela chega à vida plena que partilha connosco.
“O fruto espiritual desta celebração festiva não se limita apenas a um tempo determinado, nem a sua luz esplendorosa conhece ocaso mas está sempre pronta para iluminar as almas daqueles que O procuram…Esta festa nos sustenta no meio das aflições do mundo; por ela nos concede Deus a alegria da salvação e da fraternidade”(S.to Atanásio). Para alcançar esta alegria profunda e duradoura procuremos também subir para a Páscoa. Enfrentemos as dificuldades com fortaleza, mostremos a todos um sorriso acolhedor, revistamos uma atitude positiva e construtiva perante a vida e os outros. A cruz purifica-nos do pecado e levanta-nos da terra, irradiando a luz do evangelho através do testemunho da alegria pascal. Desejo esta alegria a todos os diocesanos de Santarém
D. Manuel Pelino Domingues, bispo de Santarém