1. O Santo Padre Bento XVI, na sua Mensagem para a Quaresma, convida-nos a redescobrir o sentido e o valor do jejum, tendo-nos recordado primeiro que o jejum faz parte de um conjunto de práticas penitenciais muito queridas à tradição bíblica e cristã: a oração, a esmola e o jejum. Ao acentuar uma delas, não esquece que são indesligáveis entre si, citando São Pedro Crisólogo: “O jejum é a alma da oração e a misericórdia é a vida do jejum. Portanto quem reza jejue; quem jejua tenha misericórdia. Quem, ao pedir, deseja ser atendido, atenda quem a ele se dirige. Quem quer encontrar aberto, em seu benefício, o coração de Deus, não feche o seu a quem lhe suplica”. A Mensagem do Santo Padre é proposta para toda a Igreja e, portanto, também para a Igreja de Lisboa. Não teria sentido contrapor-lhe uma mensagem minha. Quero apenas ajudar a concretizar, no contexto da nossa diocese, o que pode significar valorizar o jejum. À partida, penso que devemos acentuar a íntima relação que há entre jejuar, procurar o rosto do Senhor na oração e abrir o nosso coração ao amor dos irmãos, no fundo descobrir que se jejua para amar e que dificilmente o nosso amor atinge a pureza da caridade se não procurarmos, com gestos concretos de desapego das coisas materiais, a pureza e a transcendência de Deus. Jejuarão quando o Esposo lhes for tirado 2. Gostaria de partir de um texto do Evangelho, que sempre me tocou, porque nele Jesus anuncia o sentido profundo do jejum: “Estando os discípulos de João e os fariseus a jejuar, vieram dizer-lhe: porque é que os discípulos de João e os fariseus guardam jejum, e os teus discípulos não jejuam? Jesus respondeu: poderão os convidados para a boda jejuar enquanto o Esposo está com eles? Enquanto têm consigo o Esposo, não podem jejuar. Dias virão em que o Esposo lhes será tirado e então, nesses dias, hão-de jejuar” (Mc. 2,18-20) O Esposo é Ele, a intimidade com Ele tem a alegria das núpcias. Para quem experimentou e deseja esse convívio, a Sua ausência pode revestir-se de grande sofrimento espiritual. O “vem Senhor Jesus” foi sempre oração da Igreja que exprime esse anseio doloroso. Jesus dá uma dimensão mística ao jejum. Se se refere, em primeiro plano, aos dias da Sua paixão, abarca nas Suas palavras toda a densidade de quem o procura, a dureza da oração, a obscuridade da fé, a intensidade dolorosa de um desejo, que nenhuma fruição de bens materiais satisfaz, uma fome que nenhum alimento deste mundo sacia. Jejuar, como renunciar e partilhar os seus bens, torna-se sinal de que pomos o nosso coração nessa sede de Deus, nesse anseio de intimidade com o Senhor. O Esposo foi-nos tirado e prometido. O caminho do encontro é o caminho da fé, na oração, na ascese, na caridade vivida. Sabemos que Ele está connosco; mas a Sua presença não anula a ausência. Buscar o Seu rosto convida-nos a não pormos o nosso coração nas coisas deste mundo. Como esta mensagem de Jesus pode ser iluminadora para quem hesita em responder às inquietações do coração, para quem sofre o desgaste da dúvida, para aqueles que não aguentam a persistência num caminho de oração, o único que pode proporcionar, quando Ele nos deu esse dom, a alegria da presença e da intimidade. A vida cristã é um caminho exigente e austero, na atitude corajosa e generosa de quem espera a vinda do Esposo. O Esposo ausente torna-se presente naqueles que o mundo não convida para o banquete 3. “O que fizestes ao mais pequenino dos meus irmãos, foi a Mim que o fizestes” (Mt. 25,40). A esses que o mundo não convida para o banquete, só a nossa caridade os pode introduzir no festim e fazê-los participar das alegrias das núpcias. O jejum toma então a forma da renúncia e da partilha. O Santo Padre abre-nos para essa concretização do jejum: “O jejum ajuda-nos a tomar consciência da situação em que vivem tantos irmãos nossos. Jejuar voluntariamente ajuda-nos a cultivar o estilo do Bom Samaritano, que se inclina e socorre o irmão que sofre. Escolhendo livremente privar-nos de algo para ajudar os outros, mostramos concretamente que o próximo em dificuldade não nos é indiferente”. A nossa Diocese tem já uma longa experiência de jejum sob a forma de renúncia quaresmal, cujo fruto canalizamos para ajudar os que mais precisam. Nos últimos anos temos constituído um “Fundo de Ajuda Inter-Eclesial”, através do qual ajudamos Igrejas mais pobres de todo o mundo que batem à nossa porta. Em anexo damos notícia das ajudas distribuídas durante o ano de 2008 e do saldo ainda disponível para essa inter-ajuda, pois são já muitos os pedidos que temos em análise. Mas este ano quero propor-vos um outro destino para a nossa renúncia quaresmal: a ajuda às crianças em risco, de modo particular através da Casa do Gaiato de Santo Antão do Tojal que a diocese assumiu, numa circunstância em que a Obra da Rua já não a podia manter. Uma informação complementar sobre a Casa do Gaiato será também anexada a esta Mensagem. 4. Façamos da nossa Quaresma uma caminhada ao encontro do Senhor Ressuscitado, sabendo que o caminho é árduo e exigente, porque exige a conversão e a coragem da esperança, sabendo que as renúncias escolhidas são mais libertadoras do que as que nos são impostas e não esquecendo que o jejum, isto é, a privação e a renúncia, são uma pedagogia para Deus, um caminho para aprender a amar. Lisboa, 2 de Fevereiro de 2009, Festa da Apresentação do Senhor † JOSÉ, Cardeal-Patriarca