Quaresma 2009: conversão a deus, servindo o próximo Caríssimos diocesanos do Porto, com todas as pessoas de boa vontade: No actual contexto social e económico, a conversão a Deus, que é a substância da Quaresma, tem de sublinhar a humanidade de todos e a sua necessária realização em cada um. Quer isto dizer que a Quaresma de 2009 em Portugal exige a correcta compreensão do significado do trabalho e o maior esforço para que ele não falte a ninguém. Tanto quanto possível, isto é, sem desistir nunca. O trabalho, de direito e de facto, não é exterior ao ser humano: é-lhe absolutamente indispensável e intrínseco, como realização pessoal. Reconhecemos que é pelo trabalho que as pessoas respondem às necessidades próprias e dos seus. É por isso imprescindível que a sociedade tudo encaminhe para esse bem essencial. E que o façamos na convicção de que só assim cada um descobre as suas potencialidades e se realiza positivamente como criador de bens, com proveito geral. Somemos então algumas responsabilidades. De todos nós, cidadãos; e, em especial, de cada um de nós, os cristãos, que acreditamos no trabalho como disposição divina para o papel de todos no desenvolvimento da própria criação. Quando lemos no Génesis (2, 15), que “o Senhor Deus levou o homem e colocou-o no jardim do Éden, para o cultivar e, também, para o guardar”, descobrimos a nossa responsabilidade, para que a criação frutifique e se garanta. É missão de todos, para que o propósito divino se cumpra e nos realizemos nele. Consequentemente, entre cristãos e pessoas de boa vontade, não deverá passar esta Quaresma sem fazermos o possível para criar postos de trabalho ou ajudar a mantê-los quando periguem. Nem se dispensarão os trabalhadores e as suas organizações de contribuir para ultrapassarmos as dificuldades presentes. Responsabilidades, igualmente, de todos os empresários e dadores de trabalho. Tantos existem que tudo fazem para que as suas empresas não encerrem, ou dispensem o menor número possível. Resistem à tentação de fechar ou despedir, com o pretexto da crise. A empresários assim, devemos uma palavra de reconhecimento e estímulo. Como apelamos à consciência de quem não proceda deste modo, para que não lese a sociedade nem ofenda a Deus, condenando ao desemprego quem podia continuar a trabalhar. Também neste ponto se abra agora uma autêntica “Quaresma” empresarial, para defender e promover o trabalho e o emprego. Biblicamente sabemos que cumprir a vontade de Deus, aqui e agora, passa exactamente por aí. A vontade de um Deus “trabalhador”, assim definido pelo próprio Cristo: “O meu Pai continua a realizar obras até agora, e eu também continuo!” (Jo 5, 17). Responsabilidade muito particular dos governantes, como primeiros zeladores do bem comum. Não lhes pedindo o que não possam, não se dispensarão do que nos devem. Valorizando e promovendo a criatividade e o esforço de quantos trabalham e criam trabalho, activarão a subsidiariedade geral da sociedade, com especial aproveitamento das capacidades dos mais novos e sem esquecer a formação contínua dos mais velhos. Neste sentido ainda, as comunidades cristãs saberão abrir espaços de proximidade e partilha, em que, além da resposta imediata e possível às solicitações de pobrezas antigas e novas, se originem porventura respostas práticas e criativas no sentido do trabalho e do emprego. E os cristãos viverão a Quaresma de 2009 em disponibilidade total para uma cidadania inteira e consequente. A actual crise tem evidentes conotações morais. Muita riqueza a todo o custo ocasionou muita pobreza insustentável. Os tópicos quaresmais por excelência – oração, jejum e esmola – significam agora mais atenção à vontade de Deus, que é o bem de todos, num mundo realmente solidário, quer dizer, consistente, frugal e fraterno. Com o exemplo e o Espírito de Cristo, teremos, mais profundamente, Páscoa. Com o resultado da renúncia quaresmal de 2008, foi criado o Fundo Social Diocesano, passando os 160 000 euros. O que permitiu ajudar a Obra Diocesana de Promoção Social (mais apoio a famílias carenciadas), a Caritas Diocesana (acções de apoio a crianças em idade escolar) e Vida Norte (apoio à maternidade e à família). Confio na generosidade de todos para que a renúncia desta Quaresma possa reforçar o Fundo Social Diocesano para novas acções de solidariedade, na caridade cristã. A todos desejo uma Santa Quaresma, na conversão a Deus, servindo o próximo. Porto, Quarta-Feira de Cinzas, 25 de Fevereiro de 2009, + Manuel Clemente, Bispo do Porto