Mensagem de Quaresma do bispo de Santarém

Nem só de pão vive o homem

Saúdo cordialmente todos os diocesanos e agradeço a atenção prestada à habitual Mensagem da Quaresma. Todos os anos aproveito este período para propor uma reflexão sobre algumas dimensões da fé cristã que estes quarenta dias de preparação para a Páscoa nos convidam a viver. A Quaresma é realmente uma preciosa oportunidade para rever o nosso estilo de vida e repensar, à luz da fé, os critérios e os valores que orientam a nossa existência. A crise económica e ética que estamos a atravessar torna ainda mais pertinente a proposta quaresmal.   

1. “Nem só de pão vive o homem”.

“Nem só de pão vive o homem” (Mt 4,4). Foi assim que Jesus respondeu ao diabo que O tentava no início da Sua missão. As tentações com que o demónio provocou Jesus persistem nos nossos dias e são colocadas novamente a cada um de nós. A primeira tentação, a de “transformar as pedras em pão”, propõe um estilo de vida assente na segurança dos bens terrenos; é o risco que corre aquele que se entrega exclusivamente à satisfação das carências materiais. As restantes tentações de Jesus, narradas este ano pelo evangelista S. Mateus, alertam-nos para o perigo de nos deixarmos dominar pela ambição da fama ou do poder.

As tentações são, portanto, propostas sedutoras que sinalizam e avisam-nos para a possibilidade de nos desviarmos do essencial. Corremos realmente o risco de viver ao sabor das nossas inclinações e caprichos, da moda e da publicidade, oscilantes na superfície das coisas, vazios por dentro, sem convicções nem projectos de vida. É neste contexto que entendemos e aceitamos a proposta quaresmal de recolhimento, de exercício espiritual, a fim de procurar, com paciência e perseverança, a verdade e o bem.

2. “Viver da Palavra que sai da boca de Deus de Deus”.

A Palavra de Deus contida na Sagrada Escritura leva-nos a ver a luz de Deus e a orientar a nossa vida sob o seu fulgor. Precisamos efectivamente das “palavras de vida eterna” para que a nossa existência alcance a plenitude de todas as suas dimensões: corporal, cultural e espiritual. Por esta razão, a Igreja recomenda-nos insistentemente o exercício da leitura meditada e orante da Bíblia no tempo da Quaresma – a “lectio divina”. Esta pedagogia permite dialogar com Deus, escutando-O a partir do texto bíblico e respondendo-Lhe com coração agradecido e orante.

Neste sentido, o guião “Aprender o caminho do amor” sobre os frutos do Espírito Santo, à luz do evangelho de São Mateus, pode ser de grande utilidade no caminho quaresmal que agora iniciamos. E uma vez que a escuta da Palavra de Deus conduz à oração, aconselhamos também a nova edição, revista e aumentada, do livrinho “Orações de Sempre” que oferece orações simples e acessíveis, colhidas da Sagrada Escritura e da Tradição da Igreja. O papa Bento XVI na Encíclica sobre a esperança afirma que “a oração deve ser incessantemente guiada e iluminada pelas grandes orações da Igreja e dos santos, pela oração litúrgica na qual o Senhor nos ensina continuamente a rezar de modo justo” (SS 34).

3. Jejum e caridade

No ambiente de consumismo, de conforto e de luxo, de ostentação e de extravagância, encontramos muitas pessoas que sofrem carências de bens essenciais. A actual crise económica provocou novas formas de pobreza escondida, que se tornaram por vezes dramáticas. Também neste aspecto a proposta da Quaresma é de grande oportunidade para uma revisão de vida. É de facto um tempo que nos convida ao jejum e à caridade. Jejuamos, cortamos no consumo de bens e oferecemos esmolas ou donativos para partilharmos com quem precisa de ajuda. A abstinência e o jejum orientam-se de alguma forma para a caridade efectiva.

Lembramo-nos facilmente de ajudar os que estão longe e podemos não dar conta dos necessitados que estão ao nosso lado. Como dizia a Madre Teresa: “É fácil amar os que estão longe. Mas nem sempre é fácil amar os que estão ao nosso lado”. O importante na caridade, dizia também a Madre Teresa, não é só o que se dá mas o amor com que se dá. Dar atenção, fazer companhia, tornar-se próximo de quem se sente abandonado, partilhar o afecto e os bens, eis a proposta do Evangelho na parábola do bom samaritano. O amor é o primeiro fruto do Espírito Santo e o testemunho mais convincente da fé.

Consideremos a renúncia quaresmal como uma forma de exercitar o jejum e a caridade. No ano passado foi em benefício da reconstrução de estruturas da Igreja do Haiti e recolheu 40 000 Euros. Este ano vamos destinar metade da renúncia para apoio das vítimas do tornado na região de Tomar e outra metade para o “Fundo Social Solidário” constituído pela Igreja portuguesa para apoio a casos concretos da crise.

O crescimento na vida espiritual tem como principal indicador o crescimento na caridade. Deus é amor. Aproximar-se de Deus é aprender a amar. Que o tempo da quaresma seja uma procura da luz e do amor de Deus. É o amor que salva.

Santarém 9 de Março de 2011

D. Manuel Pelino Domingues, Bispo de Santarém

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