Viver a Quaresma em Ano da Fé e em Caminhada Sinodal
O Santo Padre, neste Ano da Fé e baseando-se na primeira Carta de S. João (4, 16), intitulou a sua mensagem para a Quaresma com o mote: “Crer na caridade suscita a caridade”.
Sendo um dom gratuito de Deus, a fé é um ato livre, pessoal e autenticamente humano, em que a inteligência e a vontade humanas cooperam com a graça divina. Esta fé não nos engana porque se funda na própria Palavra de Deus. Faz com que a pessoa compreenda melhor Aquele em Quem acreditou e conheça mais e melhor a grandeza e a majestade de Deus.
Pela fé, cada crente vive em contínua ação de graças e conhece, de forma diferente, a unidade e a verdadeira dignidade de todos os homens. É pela fé, fé que não vai contra a razão nem se impõe pela força, que o homem toma consciência da sua dignidade, valoriza a sua própria vida como Dom de Deus para si e como dom de si para os outros, aprende a ter confiança em Deus em todas as circunstâncias e a fazer bom uso das coisas criadas que sabe respeitar, agradecer, promover, multiplicar e partilhar. Sendo um ato “soberanamente pessoal”, a fé é, ao mesmo tempo, um ato “plenamente eclesial”.
Conforme refere o Catecismo da Igreja Católica que estou a seguir de perto, “ninguém se deu a fé a si mesmo, como ninguém a si mesmo se deu a vida. Foi de outrem que o crente recebeu a fé; a outrem a deve transmitir. O nosso amor a Jesus e aos homens impele-nos a falar aos outros da nossa fé. Cada crente é, assim, um elo na grande cadeia dos crentes.
Não posso crer sem ser amparado pela fé dos outos, e pela minha fé contribuo também para amparar os outros na fé” (CIC 166). Necessária para a salvação, a fé, verdadeiramente vivida e celebrada, faz com que possamos saborear já, neste mundo, a alegria e a luz da visão beatífica, vivendo no tempo a vida que existe em Deus: a Caridade, o Amor (cf. CIC 135 …).
Ao mesmo tempo que nos revela o rosto de Deus que entregou o seu Filho por nós, a fé, afirma Bento XVI, “gera em nós a certeza vitoriosa de que isto é mesmo verdade: Deus é amor!”. O cristão, conquistado e movido por este amor, consciente de ser amado, perdoado e servido pelo Senhor que lavou os pés dos apóstolos e Se oferece a Si mesmo na cruz para atrair a humanidade ao amor de Deus, o cristão, porque discípulo de Cristo, está aberto de modo profundo e concreto ao amor do próximo. “Assim como Eu vos amei, também vós deveis amar-vos uns aos outros. Se tiverdes amor uns para com os outros, todos reconhecerão que sois meus discípulos” (Jo 13, 34-35).
RELAÇÂO ENTRE FÉ E CARIDADE
Celebrar a Quaresma no contexto do Ano da Fé leva-nos a refletir, pois, sobre a relação entre “o crer em Deus, no Deus de Jesus Cristo, e o amor, que é fruto da ação do Espírito Santo e nos guia por um caminho de dedicação a Deus e aos outros”. Há um entrelaçamento indissolúvel entre fé e caridade, como escreve o Santo Padre. “A fé é conhecer a verdade e aderir a ela (cf. 1 Tim 2, 4); a caridade é “caminhar” na verdade (cf. Ef 4, 15).
Pela fé entra-se na amizade com o Senhor; pela caridade, vive-se e cultiva-se esta amizade (cf. Jo 15, 14-15). A fé faz-nos acolher o mandamento do nosso Mestre e Senhor; a caridade dá-nos a felicidade de pô-lo em prática (cf. Jo 13, 13-17). Na fé, somos gerados como filhos de Deus (cf. Jo 1, 12-13); a caridade faz-nos perseverar na filiação divina de modo concreto, produzindo o fruto do Espírito Santo (cf. Gal 5, 22). A fé faz-nos reconhecer os dons que o Deus bom e generoso nos confia; a caridade fá-los frutificar (cf. Mt 25, 14-30)”.
E fá-los frutificar na vida pessoal e familiar, no trabalho e na profissão, na vida política e económica, na vida cultural, social e comunitária.
EVANGELIZAR: A MELHOR OBRA DE CARIDADE
Por vezes, diz-nos Bento XVI na sua Mensagem, “por vezes, tende-se a circunscrever a palavra “caridade” à solidariedade ou à mera ajuda humanitária; é importante recordar, ao invés, que a maior obra de caridade é precisamente a evangelização, ou seja, “o serviço da Palavra”.
Não há ação mais benéfica e, por conseguinte, caritativa para com o próximo, do que repartir-lhe o pão da Palavra de Deus, fazê-lo participante da Boa Nova do Evangelho, introduzi-lo no relacionamento com Deus: a evangelização é a promoção mais alta e integral da pessoa humana.
Como escreveu Paulo VI na Encíclica Populorum Progressio, “o anúncio de Cristo é o primeiro e principal fator de desenvolvimento”. E isto acontece na e pela comunidade, espaço rico e diversificado pela inclusão etária, cultural e social.
É na comunidade cristã que a fé se faz amor, convocando, propondo, agindo e seduzindo. Só a fé traduzida em amor pode ser proposta evangelizadora e transmissora do reino que acontece. Só a amor motivado pela fé, leva à conversão e à dinâmica sacramental na vida, deitando mão de muitos meios sem esquecer os tradicionais, sempre recomendados e atuais: a oração, o jejum, a partilha. Empenhar-nos mais e melhor na caminhada sinodal é também um gesto de amor: é a evangelização que está em causa, é a evangelização que nos move com esperança.
DESAFIOS
Vivamos a Quaresma em familiaridade com a Palavra de Deus que aumenta em nós a fé. Sintamos a alegria de A anunciar para que outros se abram mais decididamente ao dom precioso da fé. Descubramos cada vez mais o valor e a importância da comunidade cristã que, movida pelo Espírito Santo, é o agente principal e principal responsável pelo empenhamento dos fiéis na dinâmica da fé e do amor fraterno.
E porque a fé sem obras está morta, partilhemos a nossa vida com generosidade atenta e alegria contagiante, sentindo-nos próximos e irmãos de todos, com discrição e amizade. Partilhemos também do pouco que temos com aqueles que ainda têm menos, de modo que todos se possam sentir amados e possam alimentar a esperança de que melhores dias hão de vir e, sobretudo, possam reconhecer em nós as razões daquela Esperança que não engana. A fé que atua pela caridade renova-nos e renova a sociedade à luz do mistério de Cristo morto e ressuscitado por todos.
Atendendo à difícil situação económica que continuamos a viver, a renúncia quaresmal deste ano voltará a ser para o Fundo Social Diocesano, verba que será gerida pela Cáritas Diocesana, retirando cinco mil euros para o Centro nutricional do Liupo, Moçambique, o valor indicado para um projeto que a Congregação do Verbo Divino, presente na nossa Diocese, tem sob o lema: Campanha “Mãos Unidas” 2013.
D. Antonino Dias, bispo de Portalegre-Castelo Branco