Palavra a resplandecer no rosto da Igreja
A Constituição Dogmática sobre a Igreja, Lumen Gentium, inicia com as seguintes palavras: “A Luz dos povos é Cristo: por isso, este Sagrado Concílio, unido no Espírito Santo, deseja ardentemente iluminar todos os povos com a sua luz que resplandece no rosto da Igreja, anunciando o Evangelho a toda a criatura” (cf. Mc 16, 15; LG 1)
Hoje, como sempre, a Igreja existe para iluminar todos os homens, propondo um sentido para a existência, que assegura felicidade e alegria. Quando as trevas se adensam e proliferam as confusões, torna-se mais imperioso purificar as intenções e recentralizar todas as iniciativas. Há certezas que nunca podem obscurecer.
Se a Igreja existe para iluminar, ela não é possuidora de luz própria que se vai modernizando segundo as exigências. A luz é Cristo e é este que importa testemunhar como vivo e operante na História. A razão de ser da Igreja reside em ser Sacramento, sinal de Cristo Vivo.
Consequência inevitável é que Cristo deve resplandecer no rosto da Igreja, o que acontecerá se ela ousar acolhê-lo como Palavra, para que esta “transpareça” em tudo quanto é vida eclesial.
O contexto cultural, e particularmente o mediático, oferece tudo menos uma proposta de encontro com Cristo – Palavra. Os valores evangélicos relativizam-se e não se ousa procurar a verdade, abrindo-se a dimensões que a lógica da razão pode compreender, mas que só entenderá numa atitude de fé. Parece ser impossível descortinar Cristo como centro da vida das pessoas – e da História – e teme-se viver segundo o itinerário que a Sua Boa Nova propõe.
É aqui e agora que o cristão e as comunidades cristãs devem assumir-se como voz de Cristo, o que exige, em primeiro lugar, que se identifiquem com a Sua Palavra. O mundo deve reconhecer que não anunciamos palavras nossas, a colocar no confronto de tantas outras ideologias. Falamos porque encontramos, e não de uma vez para sempre, mas num encontro feito procura quotidiana. Só permeados pela Palavra anunciaremos palavras credíveis e convincentes.
Não será este o programa maravilhoso, se bem que difícil e exigente?
No início da Quaresma quisemos dar espaço a Deus. Agora, a Páscoa exige que proclamemos a experiência da Palavra acolhida.
Convido-vos a “dilatar o coração” às dimensões do mundo inteiro, mas vendo, particularmente, o nosso mundo para aí colocar uma semente de esperança. A crise económica que vivemos não pode ser desperdiçada. Não nos congratulamos com a sua existência. Sentimo-nos co-responsáveis e, sem presunção ou auto-elogios, partimos para a alegria de querer construir um mundo com parâmetros de gratuidade e generosidade enquanto manifestações de Deus.
A Palavra de Deus ainda não se esgotou nas Suas possibilidades. A Igreja soube ser proposta de renovação em épocas de crise. Acolhamos a Palavra para que esta esteja, bem patente e visível, no rosto da Igreja. O resto acontecerá por si.
A Páscoa é vida. Que nas famílias com problemas, de um modo especial onde o endividamento cresce e a violência doméstica se experimenta, aconteça uma manhã de sol, através de uma atenção à Palavra de Deus. Que as escolas, com todo o sistema educativo, aceitem valores de perenidade no confronto aberto de ideias, onde não se desconsidera a verdade evangélica para uma experiência de formação num humanismo personalista e integral. Que as leis protejam todos e defendam os mais pobres, numa consideração e respeito pela dignidade de todas as pessoas.
Boa Páscoa para todos, particularmente para quem se sente desanimado, perturbado, amedrontado… que a esperança resplandeça no coração de todos.
1 de Abril de 2010,
† Jorge Ortiga, Arcebispo Primaz