Páscoa 2023: Mensagem do Administrador Diocesano – «Pobres sempre os tereis convosco» (Jo 12, 8)
Foram-nos lembradas, há dias, estas palavras de Jesus, respondendo a um hipócrita comentário de Judas Iscariotes ao gesto de Maria, irmã de Lázaro, que gastara uma pequena fortuna no óleo de nardo puro com que ungira os pés de Jesus e enchera de agradável fragância toda a casa onde a comunidade ia jantar.
Estas palavras de Jesus aos discípulos correm o risco de serem hoje lidas como vaticínio de mau agoiro. Estaria Jesus a anunciar que seria impossível acabar com a pobreza mesmo com novos programas de desenvolvimento económico, reformas legislativas sobre salários e segurança social, aperfeiçoamento tecnológico e até com a caridade cristã? A luta contra a pobreza estaria, para todo o sempre, condenada ao fracasso?
Recuando 50 anos, recordamos a convicção de que o desenvolvimento económico nos levaria à paz, de que a cooperação de esforços entre países com economias frágeis e os mais desenvolvidos, iria construir um mundo novo, pondo fim ao subdesenvolvimento de algumas regiões do mundo dando lugar a projetos internacionais de desenvolvimento solidário sustentado no respeito dos direitos humanos, na ecologia, na multiculturalidade.
Passado meio século, o panorama deste mundo de guerra, violência e pobreza parece dar razão às palavras de Jesus em Betânia lidas em registo catastrófico: pobres sempre os teremos!
Importa aprofundar tais palavras, a fim de vencer a tentação de uma leitura apressada e supérflua das mesmas.
A Páscoa era (e é ainda hoje, para os judeus) celebrada numa refeição doméstica, ainda que os cordeiros fossem preparados no templo.
Nesta deliciosa narração de S. João do jantar em Betânia estão presentes os elementos fundamentais da Páscoa, o que faz desta refeição não apenas um anúncio, mas uma explicação da nova Páscoa, a Páscoa cristã.
Tal como na Páscoa judaica, na ceia de Betânia há alegria, há partilha, há aliança, há promessa de libertação; mas há também sacrifício (imolação do cordeiro, que é Jesus), simplicidade, doação. Os mais ricos reúnem com os mais pobres para nada falte, nem nada sobre. Quem é, na ceia de Betânia, o mais pobre? É Jesus, o cordeiro imolado, que irá, dentro de dias, dar na cruz a sua vida para a salvação de todos.
Na sua intuição feminina, Maria entendeu (adivinhou?) que os acontecimentos da morte de Jesus se iriam precipitar. Não iria haver tempo para os rituais da sepultação. Ela mesma, que guardara um precioso perfume (não sabemos para quê – ou sabemos?) unge previamente um corpo humano que, na sua beleza e pureza merece o gesto mais belo e mais puro de ser ungido por todos nós que Maria tão bem representa. É assim que devem ser tratados os pobres, com o agradável, puro e fraterno amor que circula entre Jesus e cada um de nós, particularmente os mais pobres.
É neste contexto que se compreende o comentário de Jesus ao gesto de Maria. Tal gesto é merecedor do respeito de Jesus por todos os que oferecem tudo o que têm, seja muito, seja pouco. (É bom lembrar aqui o elogio à mulher viúva pobre que deu tudo: as duas únicas moedas pequeninas que tinha – cf. Mc 12, 41-44).
O que Jesus promete é que sempre haverá à nossa volta quem, na sua pobreza, seja ela qual for, deva ser ungido pelo óleo do nosso amor – um amor inteligente, criativo, afetuoso – para que se converta e passe igualmente a amar, como fazem os verdadeiros discípulos de Jesus.
Jesus deixa claro que a sua Páscoa é a nossa escola de vida e que nenhum dos seus seguidores pode ignorar o facto de que o próprio Jesus se ter identificado com os pobres. Quem quiser estar com Cristo esteja com os pobres, porque estes estarão sempre lá onde está Jesus. Eles são os seus irmãos e irmãs. O lugar do cristão, a sua opção política, social, sindical, espiritual é colocar-se ao lado dos desprovidos. Assisti-los nas suas necessidades mais urgentes, mas também comprometer-se na edificação de um mundo melhor, de um mundo mais justo, na distribuição da riqueza, no acesso ao trabalho e na sua justa remuneração.
A Páscoa é substancialmente isto: o despertar de uma solidariedade autêntica, concreta, afetuosa com os pobres.
Judas – como tantos no passado e no presente – queria apenas ser um bom homem que dava esmolas aos pobres. Jesus, ao contrário, queria fazer dele um homem bom – de coração zeloso ao serviço dos mais pobres. Terá Judas tido ainda tempo e humildade para compreender a lição?
Quanto a nós, aproveitemos esta Páscoa em comunidade ungida com o óleo de nardo puro e exalemos para este mundo o bom aroma de Cristo (cf. 2 Cor 2, 15).
Setúbal, 6 de abril de 2023, Quinta-feira Santa
O Administrador Diocesano, Pe. José João Aires Lobato