Mensagem de Natal do cardeal-patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente

(versão escrita)

Saúdo a todos e cada um, neste Natal de 2017, com votos de paz e de esperança, sempre renovadas com a lembrança do Menino que nasceu e a Bíblia nos apresenta como “Emanuel”, que significa “Deus connosco”.
Estamos a terminar um ano que, entre nós, foi marcado por trágicos incêndios, que vitimaram muitas pessoas e destruíram habitações e outras edifícios, com grave dano para a vida, o trabalho e o sustento de muitas outras também.

Ano que, entretanto, foi também marcado pela grande solidariedade de tantos que, na altura e ainda agora, estiveram e estão presentes e ativos para minorar e ultrapassar os efeitos da tragédia, com contribuições materiais e pessoais, que reforçam o que naturalmente cabe fazer às entidades públicas.

Certamente que, para o futuro, nos retomaremos mais conscientes do país que somos e do que devemos ser, mais organizados no território e mais coesos como sociedade, procurando o bem comum de todos.

Reparámos certamente na grande solidão em que vive uma parte considerável dos nossos concidadãos, sobretudo quando idosos e dispersos por locais isolados. Alguns rostos da tragédia impressionaram-nos especialmente, pelo modo como exprimiam tanta solidão e isolamento.

Ê precisamente este ponto que nos deve recordar que, no relato do nascimento de Jesus, o Evangelho não termina no presépio de Belém. Diz-nos que, dias depois, o Menino foi levado por Maria e José ao templo de Jerusalém, para “ser apresentado ao Senhor”. Ora, quem lã os recebeu foram Simeão e Ana, ambos bem idosos, que no Menino encontraram a luz e a resposta por que tanto ansiavam (cf. Lc 2, 22 ss).

Esta referência evangélica há de levar-nos a considerar a existência humana como uma longa expetativa de respostas cabais e profundas, que só o tempo vivido e convivido geralmente pode dar. A essas respostas chamamos “sabedoria”, que é compreensão do verdadeiro sentido e valor das coisas. Como se diz, e bem, é um “saber de experiência feito”, dando à palavra “experiência” uma grande densidade humana. É por isso que, quanto mais realmente se sabe, mais se quer saber e melhor se consegue fazê-lo, humanamente falando. Falando e conversando, pois somos pessoas, seres em relação, que só em relação seremos mais e melhor.

A última idade de cada um pode e deve ser isso mesmo, com benefício do próprio e dos outros. Uma idade de quase plenitude pessoal, mesmo quando fisicamente debilitada e carente. Cada idoso é uma experiência de vida e uma interpelação ã convivência, que nos faz melhores, quando lhe correspondemos. Como Jesus Menino correspondeu à expetativa de Simeão e Ana, correspondamos nós aos membros mais velhos das nossas famílias e da nossa sociedade inteira. E aproveitaremos muito mais a sabedoria que transportam, tão importante para todos.

Em recente mensagem, o Papa Francisco diz-nos que «quando uma sociedade perde a memória, está perdida». E ainda que «aos avós foi confiado transmitir a experiência de vida, a história de uma família, de uma comunidade, de um povo; eles são uma promessa e uma garantia de futuro» (O Vídeo do Papa, edição de dezembro).

Muitos estarão debilitados e alguns mesmo no fim próximo da sua existência terrena. Noutra mensagem recente, diz também o Papa Francisco: «… devemos e podemos sempre cuidar da pessoa viva: sem abreviar nós mesmos a sua vida, mas também sem nos obstinarmos inutilmente contra a sua morte. A medicina paliativa move-se nesta linha. Ela tem uma grande importância também no campo cultural, comprometendo-se a combater tudo o que torna o ato de morrer mais angustiante e sofrido, ou seja, a dor e a solidão» (Mensagem aos participantes no Encontro Regional Europeu da World Medical Association, Roma, 16 e 17 de novembro de 2017). Acolhamos neste Natal as indicações do nosso Papa, aprendendo com os mais idosos e acompanhando-os até ao fim natural das suas vidas. Prolonguemos nos nossos ambientes familiares e sociais o relembrado episódio evangélico: Maria e José que apresentam o Menino a Deus, Simeão e Ana que exultam de alegria. Todos nos ganharemos com todos, na sucessão das gerações convividas.

Natal de 2017

† MANUEL, Cardeal-Patriarca

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Agência ECCLESIA

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