“Não temais” (cf Lc 2,11)
A celebração do Natal está sempre associada à afirmação e à defesa da vida, em todos os seus estádios e dimensões, bem como à partilha fraterna, que proporciona sentimentos de esperança e de alegria, em quem reparte e em quem recebe.
Numa sociedade, marcadamente pluralista como a nossa, apoiada no respeito pela diferença de opções, aos mais diversos níveis, na qual a celebração do Natal assume expressões muito diversificadas, seria profundamente empobrecedor pretender omitir qualquer referência religiosa explícita à celebração do nascimento de Jesus.
A representação do Presépio, na sua originalidade criativa, pelos traços culturais que veicula, na variedade das suas formas e na diversidade dos materiais utilizados, sugere-nos sempre o ambiente simples e enternecedor duma família modesta e desprotegida, que contempla silenciosa o seu recém-nascido e o envolve com amor e ternura.
Este ambiente complementa-se com o anúncio dos anjos aos pastores de Belém, – “Não temais, nasceu-vos, hoje, um Salvador, que é Cristo Senhor! (cf. Lc 2,11) –, acompanhado pelo convite alegre e festivo a abandonar todos os medos e a celebrar a paz e a esperança.
Paz, esperança, alegria… aspiração profunda de todo o ser humano e de todos os povos, particularmente quando mais se sofre as consequências da sua falta e cuja obtenção se torna longínqua e, por vezes, se revela inacessível.
A celebração de cada Natal, ao tornar mais vivas estas aspirações, evidencia, igualmente, a situação de quantos, próximos ou distantes, sofrem por consegui-las, despertando em todos gestos fraternos e solidários, que possam suprir ou, pelo menos, aliviar tal sofrimento.
Neste Natal sentimo-nos particularmente próximos daqueles que continuam a sofrer as consequências dos devastadores incêndios de junho e outubro passados com a perda de vidas humanas e de bens…
Se, por ventura, parece que já foi tudo dito a este propósito, verificamos o muito que há ainda a “fazer”, conscientes de que nada pode trazer de volta, entes queridos falecidos e bens afetivamente insubstituíveis, que o fogo reduziu a cinzas.
Todos gostaríamos que não se ficasse no “remediar”, mas se partisse decidida e corajosamente para o “prevenir”, de modo a evitar tragédias semelhantes.
Para tal, exige-se a mobilização de todos, – Estado, Igrejas e confissões religiosas, autarquias, escolas, comunicação social, associações variadas, instituições de diversa índole – na promoção de uma mudança de mentalidade e de hábitos, imprescindíveis para a o cuidado da natureza, nossa “casa comum”, e a prevenção dos incêndios.
Torna-se, igualmente, difícil ignorar em tempo de Natal, se olharmos um pouco mais longe, como nos recorda o Papa Francisco na sua mensagem para próximo dia mundial da paz, a multidão de migrantes no mundo, 250 milhões, dos quais 22 milhões e meio são refugiados: “homens e mulheres, crianças, jovens e idosos que procuram um lugar onde viver em paz”, decididos a arriscar a própria vida, sujeitando-se a toda a espécie de sofrimentos.
Trata-se de um problema complexo na sua origem (genocídios, limpezas étnicas, bolsas de escravatura, conflitos armados e outras formas de violência organizada…), que exige igualmente respostas complexas e abrangentes na sua solução.
O Papa indica a definição de uma estratégia, que combine quatro ações – acolher, proteger, promover e integrar – de modo a implementar o processo que conduzirá à aprovação, pelas Nações Unidas em 2018, de dois patos globais: um para migrações seguras, ordenadas e regulares, outro referido aos refugiados, inspirados por sentimentos de compaixão, clarividência e coragem, de modo que avance a construção da paz, com a vitória sobre a globalização da indiferença (cf Papa Francisco, Mensagem para o 51º dia mundial da paz).
Compete-nos também a nós acalentar este sonho e contribuir, com a nossa quota parte, para sua concretização.
Que a celebração deste Natal nos situe no coração da sua verdade mais genuína: Ele vem ao nosso encontro, em cada homem e em cada tempo, para que o recebamos na fé e no amor (cf. Pref. do Advento).
Acolhê-lo no amor e não no temor, significa sair de nós mesmos e assumir (encarnar) a realidade da vida dos nossos contemporâneos, como mensageiros e construtores da esperança, da paz e da alegria. Um Santo e Feliz Natal para todos.
+Manuel Quintas, Bispo do Algarve