“Luz nas trevas, paz nos conflitos”
Preparamo-nos para celebrar (de novo) o Natal, a festa do nascimento de Jesus no nosso mundo. No meio do cansaço das preparações e dos compromissos sociais – às vezes gratificantes e retemperantes de contatos e de verdadeira festa, outras vezes vazios e simplesmente desgastantes e protocolares – é importante que deixemos que o verdadeiro espírito deste tempo inunde o nosso coração e as nossas relações, com uma marca de serenidade, que abra caminho à esperança ativa na possibilidade de melhorar a nossa vida e a daqueles com quem vivemos.
O evento original que celebramos – a vinda de Jesus a este nosso mundo – não foi caraterizado por celebrações altissonantes ou por manifestações gloriosas próprias dos grandes e poderosos. Jesus chega à terra de forma discreta e frágil. Não se impõe pela força ou esplendor, mas oferece-se como bebé que solicita acolhimento, carinho, cuidado. O contexto sociopolítico também não era favorável: o distante e grande imperador romano impõe normas que complicam e controlam a vida dos mais simples; um povo oprimido e explorado pelos grandes da terra, revoltado pela corrupção dos líderes ou galvanizado pela luta de rebeldes, não sabe se se desilude ou se pega em armas para construir o futuro. No meio de tudo isto um casal jovem e humilde, à espera do primeiro filho, é obrigado a emigrar, em grande desconforto, e até a tornar-se refugiado, com destino incerto, por motivos de segurança e subsistência. É nesse mundo incerto – como o nosso – entre os pequenos da terra, que nasce a nova esperança da humanidade.
Refletindo sobre tudo isto, os evangelhos dão-nos uma leitura reveladora de sentido e desafio, a partir do simples mas significativo acolhimento deste menino: Maria e José, chamados e modelados por uma palavra de Deus, desvelam-se em buscas, diligências e cuidados para defender a nova vida; um desconhecido disponibiliza um estábulo para abrigo (não era pouco para a época e para a gente simples!); pastores, sofridos pela dureza de noites frias e isoladas, partilham da sua pobreza com os estrangeiros em necessidade; sábios chegam de longe, porque, à luz de uma estrela no céu, pressentem na terra aquilo de que os de perto não se deram conta. Na atenção e na experiência da necessidade e da fragilidade tem início um caminho novo para a humanidade.
Nestes contrastes, começa a revelar-se o projeto de Deus. Nascendo pequeno, entre os mais humildes, Jesus aparece como acessível a todos e fonte de nova luz para quantos têm sede de justiça, de solidariedade e de sentido para a sua vida e o seu futuro. Criança sem força, dependente de outros para crescer, mostra que a realização dos desígnios de Deus não depende da grandeza dos homens, mas que não se realiza sem eles. Por isso, precisa de tempo, de carinho, da força segura da esperança para crescer e se afirmar. O desconforto e a própria oposição e perseguição anunciam um processo nem sempre linear, que terá de passar, por vezes, pela dúvida, o receio, o sofrimento e a própria morte, revelando-se como modo novo de assumir a realidade dramática da existência pessoal e da humanidade, transformando-a com a luz, o poder e o amor do “Deus connosco”.
Celebramos o Natal, no meio da realidade complexa do nosso mundo: com dramas dolorosos e celebrações de vida e de esperança; com conflitos e desentendimentos, e com esforços de compreensão, reconciliação e colaboração; com multidões de refugiados diante de muros de recusa, e com braços abertos de acolhimento e de integração; com as vítimas da fome, da injustiça e da guerra, e com mobilização, solidariedade e generoso compromisso de tantos pela justiça, a dignidade e a paz; com lágrimas de dor, de desilusão e de luto, mas igualmente com a luz do céu que ilumina a terra, revelando o poder amoroso de Deus, que abre caminhos de sentido e de alegria, através e para além de quanto julgamos possível. É em todas estas situações que soa, em tom de afirmação jubilosa, de desafio e de esperança, o cântico dos anjos que proclamam a glória do Deus do céu, na paz entre os homens que Ele ama, na terra.
18 de Dezembro de 2018