Vai já a meio o triénio que a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) decidiu dedicar ao tema genérico da Transmissão da Fé. Os desafios que se colocam à Igreja Católica nesta missão essencial têm sido abordados pelos Bispos do nosso país de uma forma sistemática, nas suas Assembleias de Primavera e Outono, embora os resultados nem sempre sejam perceptíveis para o comum dos fiéis. Além dos discursos do presidente da CEP na abertura dos trabalhos, em que o tema tem sido uma referência obrigatória, os trabalhos dos Bispos são explicados em poucas linhas no comunicado final de cada Assembleia, onde se sublinha que os vários documentos de trabalho são estudados “demoradamente”. Em entrevista à Agência ECCLESIA, D. Carlos Azevedo, Secretário da CEP, aborda este percurso e perspectiva quais os passos que ainda faltam dar para poder despertar, nos católicos do nosso país, a sede pela formação da sua fé. Agência ECCLESIA (AE) – Passando em revista este percurso, desde que se começou a falar do tema da transmissão da fé como marca deste triénio na CEP, parece haver uma atenção particular às mudanças culturais. A Igreja tem de adaptar a sua linguagem para o mundo de hoje? D. Carlos Azevedo (CA) – De facto, nós iniciámos o tratamento deste tema da transmissão da fé por uma análise dos modelos culturais, porque é esse o pano de fundo essencial para enquadrarmos depois as outras questões. Temos de conhecer bem os mecanismos das culturas contemporâneas – hoje sabemos que há um pluralismo cultural muito presente na sociedade portuguesa. AE – Mas a questão da mutação cultural acabou por ter muito mais impacto após a derrota do Não no referendo ao aborto e do pronunciamento da CEP… CA – Esta é uma reflexão que já vem de trás e não tem nenhum enviesamento ou um funil para um tema concreto. A Igreja, toda ela, actua no meio cultural: começou assim no diálogo com o judaísmo, com o mundo helénico, e ao longo dos tempos tem dialogado sempre com a cultura ambiente porque é uma fé que tem reflexão, porque é uma fé que usa a razão e tem de recorrer aos mecanismos culturais para poder fazer-se entender e poder fazer passar a mesma mensagem, mas com linguagens diferentes. Se mantivermos a linguagem, passamos a já não dizer o mesmo que queremos dizer, temos de mudar a linguagem para dizer a mesma coisa e não adulterar a linguagem. Essa foi a reflexão que nos ocupou num primeiro tempo. AE – Passou-se depois para a vida das comunidades… CA – Sim, depois começamos pelo princípio, que é a iniciação cristã, o modelo catecumenal de iniciação cristã, modelo que não é só doutrinal, mas que é testemunhal e envolve a vida, a celebração, as atitudes perante a vida. Toda essa dimensão global da fé passa pela iniciação cristã e a maioria dos católicos portugueses não a teve: foi baptizado em pequenino, teve uma catequese rudimentar que correspondeu mais à infância e adolescência do que à juventude e à adultez, portanto não temos cristãos adultos na fé. AE – A seguir foi abordado o compromisso dos leigos. Falta empenho dos católicos? CA – Dada esta situação de que falei, passou-se para a formação dos leigos, porque se as famílias cristãs hoje não estão preparadas para transmitir a fé às novas gerações e o sistema da catequese não encontra preparados, temos de ver como se formam agentes que transmitam a fé. Escusamos de lamentar-nos das situações, temos é de encontrar guias para colmatar as deficiências e atender à realidade. AE – O que ainda se pode esperar até ao fim do triénio? CA – Os dois novos passos que nos faltam dar são a dimensão social e a dimensão espiritual. Depois de termos debatido o que existe em cada diocese, para formar agentes pastorais em todas as dimensões, haveria que sublinhar agora a formação na Doutrina Social da Igreja e a formação espiritual. Notámos que há uma deficiência na iniciação à oração: dizemos às pessoas que têm de rezar, mas elas não sabem como. Também na Doutrina Social da Igreja as pessoas estão muito longe do corpo doutrinal que a Igreja propõe sobre a relação com o Estado, com a economia, com a política. AE – Pode haver o risco dessas propostas serem vistas como uma imposição de cima para baixo e não como uma resposta ao anseio dos católicos? CA – Esse é um ponto crítico: temos consciência de que os cristãos católicos não querem formação. Querem religião, mas não querem formação. Aí é preciso motivá-los e essa é outra técnica que é preciso encontrar, para que as pessoas ganhem consciência de que a Santa com mais devoção em Portugal é a santa ignorância… AE – O facto de vivermos num país de maioria católica faz que as pessoas se sintam satisfeitas com a forma como vivem a fé? CA – Há que passar de uma consciência satisfeita para uma consciência insatisfeita, que as pessoas queiram procurar mais alguma coisa. Isso exige uma mobilização que não é fácil, porque muitas vezes as ofertas de formação que se dão não respeitam a tal cultura contemporânea; as modalidades de formação acabam por afastar os que lá vão. Aqui há todo um caminho, é evidente que esta reflexão não obriga nenhum Bispo na sua diocese a rever os seus critérios, é só uma reflexão. Eventualmente poder-se-á chegar a um documento final que reúna tudo o que foi sendo feito, mas é sempre uma reflexão, para ajudar a encontrar pontos comuns, que cada um possa aplicar na sua diocese. Essa aplicação fica, sempre, ao critério de cada Bispo. Cronologia O triénio 2005-2008 é dedicado pelos Bispos portugueses à questão da transmissão da fé. Em Novembro de 2005 foi estudado um documento de trabalho intitulado “Modelos de formação cristã e culturas contemporâneas”, o primeiro elemento do plano para o triénio. Antes, em Julho desse ano, fora publicado o documento “Para que acreditem e tenham a vida”, com orientações para a catequese actual. A reunião plenária de Abril do ano passado contou com um documento de trabalho intitulado “Iniciação cristã: caminhos a percorrer”. Reconhecendo a pedagogia catecumenal como privilegiada no processo da transmissão da fé, a Assembleia “considerou urgente incentivar itinerários concretos de iniciação cristã”. Este encontro viu ainda surgir o documento “A Educação Moral e Religiosa Católica: um valioso contributo para a formação da personalidade”. Na Assembleia Plenária de Novembro de 2006, os Bispos estudaram um documento de trabalho intitulado “Família, Escola e Universidade”, o terceiro elemento de um plano para o triénio. Em Abril de 2007, A Assembleia prosseguiu a reflexão sobre a transmissão da fé, desta vez partindo de um documento de trabalho intitulado “Formação de Leigos: ministérios, serviços, escolas: experiências, meios, conteúdos”. Foi feito o levantamento das principais iniciativas decorrentes dos seguintes domínios de acção pastoral: formação de catequistas, preparação de ministros para a liturgia, acções de formação para sectores de pastoral especializada, iniciação bíblica e promoção da lectio divina, instituições de formação levadas a cabo por movimentos eclesiais ou escolas para leigos de cariz diocesano.