Padre André Silva lembra o abalo de ver desaparecer 57 pessoas do concelho de Aguiar da Beira, onde é pároco, e a dor de famílias e comunidades que diariamente se despediam de amigos
Viseu, 16 mar 2021 (Ecclesia) – O padre André Silva, Pároco in solidum de seis comunidades em Aguiar da Beira, recorda à Agência ECCLESIA, o abalo que as paróquias sofreram ao ver desaparecer 57 pessoas vítimas da Covid-19, num curto espaço de tempo.
“Senti-me a ficar deprimido, em determinada altura. As histórias marcam a comunidade e são todas diferentes, mas ver desaparecer, em 24 horas marido e mulher, é muito difícil. Tive que celebrar um funeral onde não está quase ninguém e perguntamos porquê e percebemos que a família está infetada e não pôde comparecer nem despedir-se. É muito duro superar tudo”, lamenta o responsável.
O concelho de Aguiar da Beira, na diocese de Viseu, conta com cerca de quatro mil habitantes e chegou a registar 800 casos ativos de Covid-19, o que levou ao desaparecimento de 57 pessoas, participantes nas comunidades paroquiais.
“O meu pai, mãe ou irmão viveu uma vida de entrega à comunidade, à paróquia e agora não tem direito a uma missa como os outros? Cantada e rezada? É uma celebração da palavra a correr no cemitério? Custa muito”, foi um lamento que assiduamente o padre André Silva, naquelas comunidades há quatro anos, escutou.
“Não sendo possível fazer o luto como antes, e é algo muito difícil e que perturba muito as famílias – encontramos formas de superar. Não podia celebrar eucaristia com todos, mas celebrava sozinho depois, e isso confortava as famílias, porque entendem que o seu familiar não está esquecido”, acrescenta.
O padre André Silva, que estuda no segundo ano de Psicologia, destaca a necessidade de a Igreja continuar um trabalho de acompanhamento das famílias, seja espiritualmente, “confortando pelas celebrações litúrgicas”, mas também psicologicamente.
“A Igreja sempre teve o acompanhamento, quer nas celebrações de memória, como também no acompanhamento individual. E, nesta altura em que faz falta o toque no processo de luto, porque ajuda a pessoa a aliviar a dor, temos de estar muito presentes”, reconhece.
O padre André Silva regista que seis paróquias que integram a Unidade pastoral Nossa Senhora da Estrada – Aguiar da Beira, Gradiz, Coruche, Pinheiro de Aguiar, Sequeiros, Souto de Aguiar – “estão de luto”, não apenas as famílias e os amigos mais próximos, porque os laços de “generosidade” e de “amor”, sustentam estas comunidades do interior rural do país.
“Estas comunidades têm-me ensinado a amar. Foram as minhas primeiras comunidades, vai para quatro anos, e é nítido o grande amor das pessoas, a simplicidade com que amam. Eu cheguei em 2017, em setembro, um mês antes do grande incêndio. E pedi, como tantos colegas para que as pessoas na sua caridade pudessem ajudar as vítimas levando ao certo de recolha de bens, algo para ajudar”, recorda, adiantando a surpresa da generosidade.
“Estava cá há um mês: pedi no domingo de manhã para à tarde poder levar algumas coisas. Era suposto levar as doações no meu carro, e não foi suficiente: teve de ir uma carrinha de caixa fechada e outra de caixa aberta, que fez duas viagens porque não foi capaz de levar tudo”, relembra, acrescentando o “amor sem medida” dos seus paroquianos.
Numa terra que vê desaparecer os seus membros, de forma “tão intensa e num curto espaço de tempo”, enfrenta agora as marcas dessas perdas, numa altura em que não se registam casos ativos nas comunidades.
“O ser humano tem, dentro de si várias dimensões, como a psicológica e espiritual, e quando uma se desequilibra, as outras procuram equilibrá-la. Mas quando as pessoas não têm essa fortaleza e não conseguem compreender para onde vamos e de onde vimos, torna-se muito difícil. Nesse sentido é importante ter conhecimentos da dimensão psicológica para, através dessa, fortalecer a espiritual”, regista.
A dimensão da escuta, sublinha o padre, é essencial, num processo que acolhe mas respeita simultaneamente o afastamento “ para que a pessoa caminhe por si”.
O padre André Silva regista a importância de as Eucaristias voltarem a poder ser celebradas com a presença física de fieis, porque, “quanto mais se sofre, mais se precisa de Deus”.
“Já o fazia sozinho, e procurava que as pessoas em casa ficassem sintonizadas à mesma hora em oração; agora vamos poder fazê-lo juntos, e vamos fazê-lo, lembrando as marcas e legados das pessoas nas comunidades”, assegura.
‘Memórias que Contam’ são as conversas online na Agência ECCLESIA que ao longo da Quaresma estão a evocar pessoas ligadas à Igreja Católica, falecidas durante a pandemia.
LS