Memórias do Natal madeirense e outras lembranças

A Irmã Salvação, cujo nome de baptismo é Alice da Conceição Nascimento Dias, é natural da Beira Baixa e está na Madeira há 41 anos, após ter passado pela Suíça, Macau, Lisboa… Veio para a Ilha por motivos de saúde e por aqui desenvolveu significativo apostolado, quer como educadora de infância no Convento de Santa Clara e também como catequista na paróquia de São Gonçalo. “Quando cá cheguei, o que mais me custou foi a pronúncia cerrada da linguagem madeirense, não entendia muito bem no início, mas fui muito feliz . Em São Gonçalo trabalhei vinte anos e fui responsável por várias actividades, não fui apenas catequista”, recorda com satisfação, em declarações ao Jornal da Madeira. Ainda na freguesia de São Gonçalo, mais precisamente na zona do Canto do Muro, deu vida a um projecto residencial para duas famílias que, entretanto, foi transformado no Jardim de Infância Pe. Angelino Barreto “Na Beira Baixa o Natal não tem o impacto daqui”, reconhece a Irmã Salvação. “Fazia-se celebração na igreja, em geral, mas como estávamos junto da Serra da Estrela havia muita neve e lembro-me que nós, as crianças, pedíamos ao limpador que fizesse uma carreirinha para irmos à Missa do Galo, era uma grande alegria. De resto, o Natal era vivido em casa, na família, e acreditávamos que o Menino Jesus nos dava as prendas. Na Madeira, sempre gostei imenso da época natalícia. Por exemplo, aquele carinho expresso nas ornamentações, é algo especial, porque o exterior também chama o interior. E as Missas do Parto! Gosto imenso, coisa belíssima, ambiente único… . Ainda hoje, canto algumas melodias e até há bem pouco tempo, quando vivia noutra comunidade, na paróquia da Nazaré, onde levava a comunhão aos doentes, ainda participava nestas novenas em louvor de Nossa Senhora. O Natal, aqui, é Festa. A festa das festas, enquanto na Beira festejava-se mais a Páscoa. É engraçado que quando cheguei cá, ao perguntar às crianças quando faziam anos, era vulgar responderem ‘antes da Festa, depois da Festa’… e então compreendi a força do Natal na vida dos madeirenses”. Natal ontem e hoje As vivências do Natal, entretanto, são muito diferentes do que há meio século. A Irmã Salvação não tem dúvidas: “Antes, vivia-se mais o Natal cristão, hoje é mais exterior, não tem aquela vivência espiritual. Houve tempos em que se vivia mais o mistério de Deus que veio salvar o mundo e que nasceu pobre. Havia uma certa intimidade, espiritualidade, hoje é mais superficial. Tudo isso se espelhava também na família reunida e unida. Era algo muito profundo, em união com o Senhor, com Jesus, Ele que veio trazer ao mundo essa grande amizade no coração das pessoas.” Em comparação, hoje, porque falta por vezes a convicção religiosa, “as pessoas são menos felizes, uns acreditam, outros são indiferentes… . Acreditam mais numa felicidade efémera, passageira, mais baseada no exterior. A convicção religiosa é necessária para a vida, é uma grande ajuda para todos os momentos de alegria ou de sofrimento.” Madeira A propósito das memórias sobre o Natal, registamos também o testemunho da Irmã Leonor Rodrigues Teixeira, 94 anos de idade, natural do Arco da Calheta. “Saí de casa e da Madeira cedo, aos 12 anos”, diz, ao explicar o início da sua vocação religiosa. Mas, a vivência do Natal nos tempos da sua infância ainda permanece… “Éramos uma família de 16 filhos. E toda a gente tinha muito entusiasmo em participar nas celebrações na Igreja. Mas éramos muitos, pequeninos, e ainda que o tempo fosse passado mais a dormir, o que mais nos interessava era ver os presentes que se davam ao Menino Jesus; e cada sítio da freguesia tinha os seu cânticos próprios, eram engraçados; e havia romagens dos produtos da terra…, lembro-me uma vez de uma pessoa que levava um cacho de bananas às costas e dizia: ‘ó meu Menino Jesus, o cacho não é maduro, abençoai a pastora que traz aqui o que tinha’, ou seja, mesmo sem rima, cada um dizia o que lhe ía na alma”. O Natal na família numerosa da Irmã Leonor também era em grande: “ Ah!, sim, no dia seguinte à vigília do Natal (que demorava horas) acordava-se muito tarde. E a primeira cosia era procurar os presentes na lareira ou debaixo das cadeiras… . Na primeira oitava, o dia inteiro, era para as visitas aos avós, aos tios e primos”. As iguarias e as melhores refeições também se guardavam para a altura da Festa, depois de alguma “abstinência” nos dias em que se preparava o Natal, com “as Missas do Parto preparadas por cada sítio, não se falava de outra coisa no mês de Dezembro; e também as confissões, toda a gente se confessava nesta altura, fazia-se uma certa abstinência, mas no dia de Festa, era comer e beber à vontade”. E o Natal hoje? “Vive-me mais o Natal, é mais real. É verdade que se pensa mais no corporal do que no espiritual, mas hoje procura-se também mais o espiritual, hoje está um pouco melhor; se não é ainda o espiritual, as pessoas procuram-no com inquietação intensa”. Os melhores presentes Apesar da sua provecta idade, tanto a Irmã Salvação como a Irmã Leonor acompanham a actualidade, as notícias e as novidades do nosso tempo. Gostam de ficar a par dos acontecimentos diários e nem as tecnologias passam despercebidas: “a Internete e outros meios, ouvimos falar muito, é bom, mas também há que ter cuidado”, explicam “Gostava muito de ler, mas agora tenho problemas de visão”, diz a Irmã Salvação. Apesar de tudo, a sabedoria interior permance intacta e pronta a reflectir sobre as situações que ao “ser humano diz respeito”. Quase a completar 96 anos de idade, no próximo dia 31 de Dezembro, a Irmã Salvação já escolheu o melhor presente, afinal o que mais ofereceu na vida, no acolhimento aos outros: “ Presente de anos? Conheço muita gente, gostaria de uma visita de pessoas com quem trabalhei e que se mostram gratas. Agradeço o encontro”. O mesmo desejo é partilhado pela Irmã Leonor. Ambas as religiosas concluem que a vida é “um presente de Deus, a todo o momento. Estamos nas mãos de Deus é n’Ele que confiamos. Tentamos viver como Ele quer e até quando Ele quiser”.

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