A existência de melhores cuidados paliativos podia «evitar muitos pedidos de eutanásia e suicídio assistido», defendeu ontem Ferraz Gonçalves,do Instituto Português de Oncologia do Porto, no segundo dia do VI Simposuim sobre Perturbações Afectivas/VII Simposium da Sociedade Portuguesa de Suicidologia. A iniciativa, subordinada ao tema “Emoções, Afectos e Suicídio”, termina hoje na Universidade do Minho. A realidade dos cuidados paliativos «é uma lacuna grave no nosso sistema de saúde, embora haja algumas equipas» a trabalhar neste contexto. Ferraz Gonçalves referiu que o Estado «tem um papel importante » nesta área. «É sua obrigação proteger os mais fracos». «Não temos dados sobre quantas pessoas pedem eutanásia, mas os cuidados paliativos podiam evitar muitos pedidos porque são uma resposta positiva ao sofrimento dos doentes, que é uma causa dos pedidos» de eutanásia. Em determinados casos, as pessoas «não vêem outra solução » que não seja uma solicitação neste sentido. Ferraz Gonçalves disse que, «já que não podemos evitar a morte, todos desejamos ter um boa morte, sem dores significativas, sem sofrimento psicológico e espiritual». «Na era tecnológica, começou a pensar-se sobretudo em evitar a morte e lutar contra ela». Por parte dos médicos, «muitas vezes a morte passou a ser vista como um fracasso e em alguns casos talvez o resultado de um erro». «A boa morte passou a ser a que ocorria rapidamente, de preferência sem se dar por isso, durante o sono», acrescentou o orador. Redescobrir motivação para viver Segundo Carlos Braz Saraiva, chefe do Serviço de Psiquiatria dos Hospitais da Universidade de Coimbra, «é sempre possível voltar a descobrir motivação para viver. Mas não é no isolamento que isso vai acontecer. Tem que ser com o apoio social e de familiares». O psiquiatra, que falou sobre “Eutanásia e suicídio – Uma perspectiva psiquiátrica”, sustentou esta ideia naquilo que pensa ao nível «da transitoriedade, desesperança, transitoriedade da dor e transitoriedade da falta de suportes sociais ou familiares». «Há doentes que dizem “quero morrer” quando o que querem dizer é que estão num grande sofrimento interior no qual consideram essa possibilidade ». «Mas o facto de abrirem a sua mente significa que estão a dar oportunidade ao amparo ». Segundo Carlos Braz Saraiva, «o pior que pode acontecer a um indivíduo desesperado é estar só no seu desespero, sem ver horizontes. A partir do momento em que se cria proximidade, esse espectro de morte pode ser dissipado ». Influência de factores religiosos A propósito de um estudo que fez junto de oncologistas portugueses, em que apresentou algumas questões relacionadas com a eutanásia e o suicídio assistido, Ferraz Gonçalves afirmou que há um pequeno apoio dos oncologistas nacionais às formas de morte assistida. «Paralelamente, parece haver um número reduzido de pedidos por parte dos doentes». Neste contexto, o orador, que abordou o tema “Morte assistida na perspectiva dos oncologistas portugueses”, focou também «o ainda menor apoio dos médicos à administração de fármacos em doses letais sem o pedido explícito do doente» e a «influência de factores religiosos em muitas atitudes dos oncologistas portugueses em relação às decisões de fim de vida». Por seu turno o sacerdote jesuíta Roque Cabral disse, a propósito da avaliação ética da eutanásia, que «há uma diferença clara entre crentes e não crentes», não apenas de determinada religião, mas de maneira geral. «Para um ateu, a autonomia da pessoa humana inclui o direito de despor da própria vida e, portanto, o direito a pedir a eutanásia, de pedir assistência ao suicídio ou, mas radicalmente,do suicídio». No seio dos crentes, «a resposta não é unitária. Há crentes que pensam que Deus entregou o Homem a si mesmo e aí está incluído o poder de decidir a própria vida, decidindo de uma maneira razoável, para assegurar uma morte digna». E também há crentes «que pensam que Deus entregou o Homem a si mesmo, mas continua a ser o senhor da vida». «Na eutanásia há uma certa delegação de poderes. Até que ponto se pode delegar um poder desses é uma questão que tem que ser estabelecida ». De acordo com Roque Cabral, «na eutanásia, as duas motivações fundamentais que levam a pessoa a pedir o fim da vida são o sofrimento e a vontade de ter uma morte digna. A dignidade de uma pessoa advém de ela ser pessoa. Uma pessoa degradada fisicamente é pessoa humana e tem uma dignidade que tem que ser respeitada. Outra coisa é o sentimento de dignidade que o próprio tem». Por seu turno, Carlos Braz Saraiva disse que se é verdade que a eutanásia «é proibida para a generalidade das religiões», nalguns casos ela «é admitida». Realidade eventualmente despenalizável O sacerdote jesuíta Roque Cabral afirmou ontem que,ao nível da eutanásia, não apenas em Portugal, mas «de modo geral», «o mais longe que se poderá ir» é em termos de «despenalização e em circunstâncias muito bem determinadas». Segundo o conferencista, que no simpósio a decorrer na Universidade do Minho abordou os “Dilemas da eutanásia”, esta «nunca» poderá ser legalizada, mas eventualmente despenalizada. «A legalização não se justificaria nunca, tendo em conta o fim pedagógico de qualquer lei. Uma lei que apresenta um comportamento deixa pressupor que esse comportamento é bom». Por isso, uma legalização da eutanásia introduziria essa ideia de que «é bom». Optando-se «só pela despenalização, considera-se que não é bom, mas reconhece-se que há circunstâncias em que deve ser despenalizável» e em que a situação não deve ser punida. Mas no caso de uma eventual despenalização, a situação «teria que ser muito bem regulamentada», defendeu Roque Cabral. O sacerdote jesuíta lembrou que há países que consideram a eutanásia crime, mas despenalizável em certas situações.