Meio Ambiente: «Se houvesse uma verdadeira consciência do estado do planeta, as pessoas agiriam de outra forma» – Margarida Zoccoli

Na véspera do arranque da COP30, que decorre a partir de amanhã junto à Amazónia, em Belém do Pará, uma região crítica para o planeta, é convidada da Renascença e da Agência Ecclesia, a bióloga Margarida Zoccoli, investigadora em alterações climáticas, entusiasta do movimento Lixo Zero, e vai falar connosco da responsabilidade de educar todos para o cuidado da casa comum

Foto: Agência ECCLESIA/MC

Entrevista conduzida por Henrique Cunha (Renascença) e Octávio Carmo (Ecclesia)

Como dizíamos no início, a realização da COP no Brasil, junto à Amazónia, tem um impacto simbólico e prático, esperemos, global. Que responsabilidades maiores é que esta cimeira traz para todos?

Tive o privilégio de estar na Amazónia em julho, agora, recentemente, numa Conferência de Educação Ambiental dos Países Lusófonos. Estivemos uma semana em Manaus e, junto a um rio que passa em Manaus, dá-se o encontro das águas. São dois rios que se juntam ali, o rio Solimões e o rio Negro, que têm densidades muito diferentes, portanto, têm características físicas muito diferentes e caminham lado a lado durante muitos quilómetros.

E depois acabam por se fundir, dando origem ao rio Amazonas. E é verdadeiramente simbólico este caminho lado a lado e depois essa fusão.

 

Simbolicamente, também representa o que esta COP pode ser. Há uma elite que está um bocadinho mais distante e há um movimento popular de tentar alterar a situação….

É verdade. E há, sobretudo, as diferenças que nós temos de fundir. A Amazónia é o exemplo mais evidente. Nós temos muito para aprender com as plantas, muito. O Stefano Mancuso diz isso muitas vezes e nas suas publicações. De facto, as plantas e a floresta, sobretudo a amazónica, que é um sistema complexo de grandes dimensões, mostra como as plantas não se movem, ao contrário dos animais que fogem, matam se for preciso, destroem e vão à procura em outro lugar. As plantas estão sempre fixas, elas resolvem todos os seus problemas só com a inteligência coletiva e nós temos muito para aprender com as plantas.

 

E já que fala em aprender, como é que se pode reforçar a literacia ambiental nas escolas e nas famílias para transformar comportamentos e ao mesmo tempo promover uma cidadania ecológica ativa?

Exatamente, promovendo, por exemplo, a sociocracia, que é uma forma de chegar a soluções de uma forma consensual. Vai-se mais devagarinho, porque temos de aguardar que todos façam propostas que sejam aceites por todos, mas nunca se anda para trás. Ao contrário das votações por maioria, onde existe sempre oposição; existe sempre a luta contra.

Quem ganha e quem perde fica sempre em oposição e é esse o papel que é esperado das oposições. E, portanto, cada vez que ganha uma força diferente da que estava anteriormente, tratamos de refazer tudo, desfazer o que os anteriores fizeram e refazer à nossa imagem. A sociocracia é um movimento que eu defendo nas escolas e que nos leva a usar a inteligência coletiva e, portanto, a encontrar soluções que depois não são contrariadas por ninguém, porque todos concordaram com elas. Embora seja mais lento, é muito mais eficaz.

 

Nós falávamos no início, na sua apresentação, da metodologia Lixo Zero e falou agora das escolas, ela está a ser implementada também em contexto escolar. Já é possível começar a ver resultados em Portugal?

Ainda só estamos timidamente a ousar falar em Lixo Zero, porque as pessoas pensam que não é possível. O Lixo Zero é reduzirmos a 10% todos os resíduos indiferenciados, aqueles que não podemos separar de todos os resíduos que produzimos, reduzir a 10% e desviar de aterro 90%, aterro ou incineração, os outros 90% que separamos, ou fazemos compostagem, ou reutilizamos, ou reparamos.

Foi o Brasil que nos desafiou para esse movimento. O Brasil está muito à frente em relação a nós, tem muitas escolas já com certificação Lixo Zero e desafiou a escola em que eu trabalho, é um dos Centros de Educação e Desenvolvimento da Casa Pia de Lisboa, a ser Lixo Zero. E isso tem-nos obrigado a repensar todas as decisões, todo o tipo de organização da escola. E não só na escola, mas nas nossas casas também, que esse é outro aspeto muito importante.

 

Isso entra numa lógica de gestos pequenos que nós não pensamos no dia a dia?

Exatamente.

 

Alarguemos a discussão para o país, da escola para o país. O Estado português tem desenvolvido alguns projetos, no âmbito, por exemplo, da eficiência energética, mas a realidade é esta, o país todos os anos é confrontado com autênticos desastres ambientais, e falo, por exemplo, dos incêndios de verão. Há, na sua opinião, sensibilidade por parte do Estado, dos governos, para a defesa do ambiente?

Existe alguma sensibilidade, mas eu penso que temos de ser nós, tem de ser a população… as escolas aqui podem ter um papel muito importante para chamar a atenção para aquilo que são as maiores necessidades, porque, de facto, não podemos responsabilizar os indivíduos por todos os desequilíbrios ambientais. Se as políticas forem adequadas, as pessoas são levadas a agir de outra forma. Dou um exemplo, a recolha de resíduos orgânicos, de biorresíduos, é obrigatória por parte das autarquias faz em janeiro dois anos. Ainda é residual, diria eu, a recolha de orgânicos, e à minha porta ainda não se faz. Eu levo os meus resíduos orgânicos para o compostor da escola, pronto, porque eu tenho vontade de fazer compostagem.

 

E realmente o que nós vemos é que nos sítios onde existe não há uma capacidade da população em geral de fazer a distinção? Vai tudo lá para dentro?

Vai tudo, e além disso, mesmo os ecopontos que já temos há muitos anos, da separação das embalagens e do vidro e do papel, fica contaminada. Eu creio que se houvesse uma verdadeira consciência do estado do planeta, as pessoas agiriam de outra forma. A escola tem um bocadinho de culpa, porque nós fragmentamos o conhecimento e, portanto, temos ali caixinhas de disciplinas e eu própria também leciono uma disciplina, mas a escola deveria funcionar de outra maneira. O Papa Francisco chamou a atenção para a necessidade de um pacto educativo global e ele é urgentíssimo, na minha opinião.

 

O Papa Francisco também chamou a atenção das comunidades católicas para a ideia de que o compromisso ecológico não é uma coisa exterior a elas. Com a ‘Laudato Si’ de 2015, de alguma forma, vivemos uma espécie de revolução nesta matéria. Sente que é uma mensagem que está a ser bem acolhida, em particular até pelas comunidades católicas?

Sim, sem dúvida. Existem uma série de movimentos, o próprio movimento ‘Laudato Si’, que tem uma implementação mundial. Existe aqui em Portugal também a Rede Cuidar da Casa Comum, que veio também criada pela professora Manuela Silva após o lançamento da encíclica.

Há pouco mais de uma semana foi criada a certificação ‘Eco Igrejas’ que vai permitir que as paróquias e entidades religiosas possam certificar-se ambientalmente e é fundamental. E depois temos, por exemplo, porque participo na Fundação Cuidar o Futuro da Maria de Lourdes Pintasilgo, já há muitos anos a cultura do cuidado era um eixo central e temos de voltar a trazer a cultura do cuidado para as nossas escolas, para as nossas comunidades, porque neste momento estamos habituados a reagir; treinamos a reação e temos de voltar a valorizar a ação. E a ação neste momento é urgente.

 

E que papel devem ter as paróquias, as escolas católicas no desafio de conversão ecológica e também no desenvolvimento de práticas sustentáveis?

Eu penso que deveriam ser exemplo irrepreensível. Até porque a mensagem cristã é isso que nos diz, não há forma de fazer outra leitura. Nós estamos todos ligados, nós somos um só, mas o que nos diferencia dos outros seres vivos é a responsabilidade, e a obrigação de cuidar dessa criação que nos foi dada.

O Papa Francisco é muito claro no exigir que os cristãos tenham um papel ativo e visível. A igreja em saída é para fora, mas nós nem sempre dentro conseguimos fazer, quanto mais para fora, mas é um trabalho que se está a fazer e que os cristãos têm mesmo de agarrar nas suas mãos e assumir a responsabilidade.

 

Nós falamos ainda pouco da vasta rede de instituições católicas que foram inspiradas pela ‘Laudato Si’, há também uma vasta rede de instituições católicas que há muitas décadas trabalham com a população que é mais diretamente afetada pelas alterações climáticas. Esta presença de responsáveis de institutos da Igreja Católica que levam para a COP30, a realidade concreta das populações que são afetadas pelas alterações climáticas, podem ajudar a decisões mais ambiciosas?

Eu espero que sim. Não tenho a certeza de que isso vá acontecer, desejo muito que sim. Desejo que a Igreja não desista nunca de ser exemplo e de ser referência, como o Papa Francisco foi durante estes anos todos, reconhecido por todos, mesmo não crentes, como um verdadeiro líder mundial. E desejamos que o Papa Leão XIV continue, e penso que sim, que vai acontecer.

 

Já teve alguns gestos nesse sentido…

Sim. A Igreja mostra com estes líderes que pode de facto ser uma referência e pode de facto puxar para outra dimensão este drama que nós temos, que é o grito da terra e o grito dos pobres.

 

Eu não quero ser pessimista, mas qual o grau de sucesso que a COP30 pode ter quando uma das principais potências, os Estados Unidos, se rege por aquela teoria negacionista?

Eu optei, nos últimos anos, por não pensar no que não funciona e acreditar na força dos pequenos gestos também, mas na força da convicção. Vindo da biologia, eu olho muito para a evolução dos seres vivos e de toda a Terra e como é que fomos tendo sucesso como espécies. E, de facto, também há estudos que mostram que uma comunidade pode alterar o seu ambiente circundante se agir de forma sinérgica.

E, portanto, eu acredito que nós consigamos, de alguma forma, influenciar. Mas temos de estar juntos, temos de estar unidos.

 

Mesmo contra a vontade de Donald Trump?

Mesmo contra a vontade de Donald Trump. Caramba, os cristãos conhecem o fim da história e, portanto, não vamos desistir agora, não é? Nós sabemos qual é o fim da história e sabemos que é uma história bonita, uma história de amor. E, portanto, é isso que nos tem de motivar.

 

Nesta véspera de início da COP30, que mensagem gostaria de deixar aos ouvintes? Como é que cada um de nós pode agir no seu contexto para cuidar desta casa comum?

Eu acho que, em primeiro lugar, não perder a esperança. Embora nós estejamos numa… Eu não estou otimista neste momento, mas tenho esperança. Li no outro dia a diferença entre otimismo e esperança. Otimismo é esperar que corra bem. Esperança é fazer tudo para que corra bem, independentemente do resultado.

E a nós, cristãos, eu penso que nos cabe fazer tudo para que corra bem porque é essa a nossa obrigação também e esse o nosso compromisso. E, portanto, temos de acreditar num futuro e acreditar num futuro belo e não ficar entregues à realidade. Não podemos deter-nos com a realidade. Temos de olhar para aquilo que há à nossa volta, que de facto, nos traz alegria.

Rob Hopkins publicou recentemente um livro “E Se… Libertássemos a Nossa Imaginação para Criar o Futuro que Desejamos?”. E é muito importante desejarmos um mundo belo e fazer por isso, independentemente do resultado.

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