Cónego João Aguiar, diretor do Secretariado Nacional das Comunicações Sociais da Igreja
O diretor do Secretariado Nacional das Comunicações Sociais explica o tema das Jornadas Nacionais da Comunicação Social – “Uma rede de pessoas” – que resulta da mensagem do Papa Francisco para o 48º Dia Mundial das Comunicações Sociais (01 de junho 2014) e destaca o que na sua opinião se pode esperar dos dias 25 e 26 de setembro de 2014, na casa Domus Carmelli, em Fátima, que vão ser enriquecidos com o testemunho do diretor do Centro Televisivo Vaticano, o monsenhor Dario Edoardo Viganò.
Agencia ECCLESIA (AE) – “Uma rede de pessoas” é o tema que este ano é a proposta para o encontro anual de profissionais da comunicação social. Que tema é este e o que é que se pode esperar de um tema e de dois dias também de proximidade?
Padre João Aguiar (JA) – O tema consiste em glosar no fundo a mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial das Comunicações Sociais, que já vivemos.
O Papa Francisco diz-nos que as redes não são única e exclusivamente um conjunto de fios, não são meramente nem fundamentalmente uma tecnologia mas precisam de ter pessoas que falam, pessoas que se calem para que o outro fale portanto, pessoas que escutam, pessoas que se aproximam para ouvir a confidência e pessoas que se aproximam confidentes. Por isso, ele faz o sublinhado da ternura, diz-nos que precisamos de ter ternura nas redes.
Eu espero uma participação significativa e ativa, não apenas de comunicadores do âmbito da comunicação da Igreja mas comunicadores em geral porque isto de estar próximos, porque isto de irmos ao encontro, de não explorar mas ouvir, porque isto de ajudar a refletir não é uma questão religiosa mas de humanidade.
AE – No primeiro dia estão destinados dois painéis, um sobre jornalismo descartável e outro sobre média e cultura de encontro. Este primeiro painel talvez seja algo polémico?
JA – Se repararmos no modo como estamos a praticar o jornalismo digital, o jornalismo na rede, há algum conforto e algum desconforto. Conforto pela velocidade, pela abrangência e universalidade mas, na minha perspetiva, também há algum desconforto: notamos que hoje qualquer pessoa que tenha possibilidades de comunicar já pensa que está a fazê-lo e o jornalista profissional também cai muitas vezes numa tentação de desvalorizar a sua própria capacidade de interpretação, de leitura, de mediação. O que queremos no futuro é uma informação sem mediação.
O que queremos no futuro é este caldeirão de efervescência – onde parece que tudo vale o mesmo, onde se afirma e desmente no mesmo segundo -, ou continuamos a considerar que tem de haver reflexão, que tem de haver capacidade de leitura, que tem de haver interpretação, se quisermos dizer isto de outra maneira, que tem de haver profissionalismo.
É muito fácil dizer: ‘mande-nos os vídeos das suas férias, mandem-nos fotografias da tempestade, mandem isto e aquilo’. Depois também é preciso perceber se o que nos mandam é realmente objetivo, se é desta tempestade ou é de outra e se aquele concerto que emocionou multidões afinal não tem mais de 10 anos.
AE – Existe aqui um fator que há uns anos no jornalismo não era tão premente e que agora se vê que é o tempo. A velocidade a que as coisas acontecem e as fotografias/vídeos aparecem quase no segundo a seguir…
JA – Há uma frase que é muitas vezes afirmada: “a presa é inimiga da profundidade”. De facto, hoje sabemos eventualmente muitas coisas, saboreamos muito poucas. O direto é efetivamente uma paixão, mas é preciso saber o que é que deu origem a isto que estamos a viver e que consequências pode ter.
Por exemplo, um jogo de futebol – estamos a vivê-lo em direto e podemos estar a discutir se foram ou não corretos os critérios da convocação; a seguir, de acordo com a evolução do próprio resultado, somos capazes de estar em cima da temperatura efervescente do acontecimento a debater se o treinador merece ou não merece continuar. Tudo isto é efetivamente análise e se nos pronunciarmos à medida que as situações vão acontecendo podemos ter opiniões gasosas ou líquidas, mas dificilmente teremos opiniões sólidas, consistentes.
AE – As Jornadas Nacionais de Comunicação Social são dois dias para parar e para refletir e para ajudar. No segundo dia vem a Fátima o monsenhor Dario Edoardo Viganò, diretor do Centro Televisivo Vaticano, com o tema “Papa Francisco e a cultura do encontro: o poder das imagens”. O que é que se espera?
JA – Espero essencialmente um testemunho de proximidade. Nesta cultura do encontro, e aliás em toda a comunicação do Papa Francisco, há uma insistência na proximidade, sair ao encontro do outro, estar vizinho.
Como diretor do Centro Televisivo Vaticano, este homem é uma testemunha privilegiada desta forma de comunicação do próprio Papa Francisco. Eu acho que o Papa não tem uma teoria da comunicação, é ele próprio comunicação, no que diz, no que cala, nos gestos, nos sorrisos, nas prioridades, nas metáforas e por isso tenho muita curiosidade em ouvir alguém que vive este dia-a-dia do Papa.
Desmontar e ao mesmo tempo ajudar a compreender esta simplicidade franciscana de Francisco, que não quer dizer nem pobrezinha, nem desprezível, mas que quer dizer uma transparência muitíssimo grande: não é o que diz, ele é essencialmente o que faz. E, nesse estilo de comunicação, o testemunho e alguma confidência ou inconfidência, o monsenhor Viganò poderá ser para nós todos um privilégio de revelação e de leitura.
AE –Fala-se em diálogo, encontro, solidariedade, o Papa escreveu tudo isto na sua mensagem. Olhando para o futuro, são estes os sentimentos que fazem falta na comunicação, quer na Igreja em Portugal, quer na própria sociedade?
JA – Sendo um desafio para todos, é essencialmente também um desafio para os crentes, para os cristãos, para os católicos: pôr ética na comunicação, pôr alma na rede, sentimentos nas palavras. Temos de pôr amizade, futuro e esperança em tudo aquilo que dizemos. Não nos basta dizer as coisas, temos de explicar e mostrar aos outros as razões, as causas da nossa alegria, do nosso acreditar no homem, no nosso acreditar que a história tem um sentido, na nossa falta de medo ao corpo, ao toque, ao abraço, ao olhar porque tudo isto e a comunicação dos gestos e das palavras que não perguntam outra coisa se não como estás e não, às vezes, porque é que vieste aqui.
Reparemos que na mensagem o Papa Francisco apresenta como modelo de proximidade e de trato o samaritano. O samaritano não perguntou aquele homem caído na margem da estrada: “Então, como é que chegaste a este estado? Correu-te mal o assalto?”. Porque podia ser um salteador a quem correu mal, o outro ser mais forte do que ele. Não perguntou o que é que se passava, viu o que se passava. Talvez essa conversa fosse para ter dali a oito dias, quando ele já estivesse em condições de contar, se quisesse contar qualquer coisa. Nós enchemos o outro normalmente de perguntas ou de perguntas inquisitoriais e poucas vezes perguntamos ao outro: ‘O que é que tu gostarias de me dizer? Então, fala que eu escuto’.
SN/CB