Homilia do Bispo de Aveiro na Solenidade da Imaculada Conceição 1.Ao abrirmos a Bíblia encontramos logo na origem o anúncio da esperança e a profecia da salvação. O mal ali experimentado e o pecado que tocou a humanidade desde o seu início não prevalecerão para sempre: “Da descendência da Mulher surgirá o Salvador”.[1] A falta original que rompeu a comunhão com Deus e a harmonia da família humana não feriu a esperança. Deus, o Deus da Esperança, veio ao encontro da família humana e anunciou o Salvador, o novo Adão, vencedor do pecado e da morte, e Maria, a nova Eva, preservada pela graça de toda a mácula de pecado.[2] Aos profetas pertenceu proclamar a palavra divina para alimentar sempre viva a chama da esperança até à plena realização da promessa e para sustentar o ânimo do povo de Israel diante da sofrida espera a que estivera submetido ao longo da sua história. O Evangelho diz-nos que se cumpriu esta primitiva e primordial promessa. São Lucas recorda-nos, sob uma forma de diálogo tecido de reminiscências bíblicas, esta palavra de Deus a Maria. Uma palavra íntima que revela o mistério da promessa desde sempre feita a Israel e manifesta que Aquele que vai nascer é o Filho de Deus. A resposta de Maria não se fez esperar. Quando se acredita no mistério e na sua raíz, significado e amplitude e quando se descobre, com a lucidez da razão e com a ajuda da graça, a vontade de Deus, a resposta é naturalmente imediata e quase espontânea. Aqui radica um exemplo vivo e um testemunho necessário para os nossos diálogos com Deus e para as respostas ao que Deus nos pede. Sempre que o bem da humanidade e a esperança das pessoas e dos povos estão em causa devíamos ser mais rápidos, mais expeditos e mais generosos. Passo a passo, Maria aprendeu do Pai, e depois do próprio Filho, o significado e o trajecto do plano de Deus e deixou-se guiar por ele, guardando sempre todas as coisas no seu coração de Mãe. A disponibilidade humana diante da vontade do Pai é fonte de alegria, abre-nos caminhos de serviço e desvenda-nos múltiplas razões para cantarmos um hino de gratidão pelas maravilhas por Deus realizadas na humildade dos seus servos.[3] Assim aconteceu com Maria e assim acontecerá connosco sempre que acolhermos a voz de Deus e respondermos sem demoras, ambiguidades ou calculismos ao seu chamamento. 2.A carta de São Paulo aos Efésios recorda-nos que é pela mediação de Cristo que Deus “nos escolheu para sermos santos e irrepreensíveis, em caridade na sua presença”. [4] Neste dia solene da Imaculada Conceição esta palavra bíblica cumpre-se em todos nós mas com particular relevo em ti, Filipe José Monteiro da Cunha Coutinho, membro da nossa Comunidade diocesana, que vais ser ordenado Diácono. No louvor a Deus por esta escolha exprime-se a gratidão de toda a comunidade diocesana à tua família, a S. Julião de Cacia, tua paróquia de origem, e a S.to André de Esgueira, tua comunidade de estágio pastoral, ao Seminário em Aveiro, em Leiria e em Coimbra e nele a todos os que te acompanharam e ajudaram neste necessário percurso de formação. Esta hora é simultaneamente uma hora de esperança e de exigência: a esperança que constitui para a Igreja de Aveiro a resposta generosa e decidida de um jovem que caminha para o presbiterado; a exigência que o ministério de diácono em ordem ao presbiterado implica daqueles que escolhem Deus como sua herança, unindo-se a Cristo de coração indiviso e consagrando-se a Ele para sempre numa vida de celibato e de obediência por amor do Reino.[5] Em ti, irmão candidato ao diaconado, deve brilhar “a caridade, a solicitude pelos doentes e pelos pobres, a autoridade modesta, a rectidão e a docilidade espiritual”.[6] Acompanha-te neste imperativo de santidade e na generosidade da tua entrega, em cada dia renovada, a Mãe de Jesus e nossa Mãe, a Imaculada Conceição. Ela vela por ti, pela verdade da tua doação e pela fidelidade do teu ministério. Recordo sempre o conselho de Santo Ambrósio, Bispo de Milão, que ao comentar o encontro de Moisés com Deus na sarça ardente nos diz: “Eu sou fogo, diz-nos Deus, para te iluminar, para destruir os teus espinhos, os teus pecados e te manifestar a minha benevolência”. 3. Foi a partir desta mesma citação que o Santo Padre Bento XVI lembrava aos Bispos de Portugal que “é preciso mudar o estilo de organização da comunidade eclesial portuguesa e a mentalidade dos seus membros para se ter uma Igreja ao ritmo do Concílio Vaticano II”.[7] Mais do que um pedido ou um conselho, esta vontade de Santo Padre constitui para todos nós um imperativo pastoral urgente, partilhado na comunhão filial com o sucessor de Pedro e cumprido no esforço de renovação que o caminho da nova evangelização exige e impõe. É esta consciência que urge assumir e este caminho que importa percorrer. Todos sentimos que as marcas da ruralidade e da territorialidade se diluíram e muitas estruturas envelheceram, enquanto simultaneamente novas instâncias pastorais e novos movimentos apostólicos emergem com renovado dinamismo numa Igreja, Povo de Deus em comunhão. O Espírito Santo é a alma da Igreja. Não temamos. Não tenhamos medo do futuro que se avizinha numa sociedade secularizada e laica onde os cristãos devem ser “luz do mundo e sal da terra”, fermento que leveda, renova e transforma. O imperativo da missão é aí muito maior. Os novos métodos que o Santo Padre nos pede, a nova linguagem e o atento e lúcido modo de servir de que o mundo necessitam passam pela corresponsabilidade de todos, clero, religiosos e leigos, e pelo sentido de missão de toda a Igreja Só uma eclesiologia de comunhão e uma missão pastoral una e coordenada para um país como o nosso, onde a mobilidade crescente nos torna cada vez mais próximos, pode abrir novas portas à evangelização e dar respostas pastoralmente criativas às exigências do nosso tempo. 4.Cumpre-se hoje o aniversário da minha ordenação de presbítero e um ano do início do meu ministério episcopal na Igreja de Aveiro. Quero viver e partilhar com toda a Igreja diocesana este aniversário na oração, na alegria e no compromisso pastoral. Compreendo agora ainda melhor e agradeço ainda mais as palavras e os sentimentos do Senhor D. António Marcelino que dizia: “já não saber passar sem vós”. É hora de olhar o futuro e de caminhar em frente. Na comunhão, na corresponsabilidade e na complementaridade de ministérios e acompanham-nos neste caminho pastoral o incentivo recebido do Sínodo Diocesano, o dinamismo de um ano dedicado à família, a afirmação da prioridade que a pastoral juvenil e vocacional constitui para a Igreja Diocesana, e a atenção e o serviço pastoral aos mais pobres como sinal visível e explícito da Igreja que somos. Uma Igreja serva e pobre como é a Igreja de Jesus Cristo exige que sejamos sóbrios e austeros, mas impõe-nos igualmente que sejamos audaciosos e empreendedores, dotando-a de estruturas essenciais para a missão. A Casa Sacerdotal, onde se acolham com dignidade, alegria e espírito fraterno os sacerdotes idosos ou doentes e os familiares que a eles sempre se dedicaram, é o primeiro compromisso a realizar. Darei início, amanhã, no Carmelo de Cristo Redentor, recebido o necessário consentimento do Superior Provincial da Ordem do Carmo, ao ano Jubilar que assinala os 25 anos da presença das Monjas Carmelitas em Aveiro, retomando uma santa e antiga memória da sua presença no Carmelo de São João Evangelista, no coração histórico desta nossa cidade. Espero que este ano jubilar nos inspire a criação e a manutenção de espaços de oração e de atendimento espiritual, onde se revigore a nossa fé e as pessoas se encontrem com Deus. O Carmelo é um desses lugares visíveis onde Deus se procura, se encontra, se revela e se testemunha. O Carmelo, como lugar de vida contemplativa é uma escola de esperança. Na primeira semana de Janeiro iniciarei, querendo Deus, as Visitas Pastorais nos arciprestados de Estarreja e da Murtosa. Quero percorrer os caminhos da Diocese ao encontro de todas as comunidades, dos seus membros e dos seus pastores, testemunhando esta forma de viver próximo e irmão com todos, anunciando Jesus, vivo e ressuscitado, confirmando na fé os cristãos, celebrando os mistérios de Deus a favor do seu Povo e construindo pontes de diálogo da Igreja com o mundo, que somos chamados a servir e a evangelizar. 5.Coloco a gratidão deste dia e de sempre e os projectos da nossa Igreja diocesana no coração da Mãe, a Imaculada Conceição, Padroeira de Portugal e sob a protecção de Santa Joana Princesa, nossa Intercessora e Padroeira. D. António Francisco dos Santos, Bispo de Aveiro ——————————————————————————– [1] Gn 3, 15. [2] Cf. Gn 3, 15.20. [3] Cf. Lc 1, 46ss. [4] Ef 1, 4. [5] Cf. PONTIFICAL ROMANO Ordenação do Bispo dos Presbíteros e dos Diáconos, 199. [6] PONTIFICAL ROMANO Ordenação do Bispo dos Presbíteros e dos Diáconos, 207. [7] BENTO XVI, Discurso de Bento XVI aos bispos portugueses, Roma 2007.