Em pleno Ano Sacerdotal, a Agência ECCLESIA continua a dar a conhecer as diversas facetas dos padres do nosso país Sem truques na manga, o professor Marcos do Vale explica que o seu hobby – o ilusionismo – começou pela brincadeira nos encontros de jovens. No seu laboratório da magia, este ilusionista materializa o sonho das crianças e desperta na densidade dos adultos a alegria da vida.
Nos espectáculos é o Professor Marcos do Vale, mas no reino eclesial é o Pe. Manuel Armando. Actualmente é pároco em Aguada de Baixo, Águeda, e sublinha à Agência ECCLESIA que o ilusionismo serve para "divertir os jovens e os menos jovens". Primeiro nasceu a vocação sacerdotal e, posteriormente, talvez pelos "meus 25 anos, descobri estas andanças".
Esta paixão nunca mais esmoreceu. Para além da arte de «fazer aparecer e desaparecer», a voz magnética do Pe. Manuel Armando actua como íman nos disponíveis do palco. Em poucos segundos transforma-os em músicos que tocam tambores, pandeiretas, cavaquinhos, adufes, pianos, bateria; bombos; xilofones. Os escolhidos até fazem de polícias sinaleiros num palco sem carros. É o poder da mente… A sua altiva voz sobrepõe-se… Os outros obedecem. A plateia ri com os poderes do professor Marcos do Vale.
As habilidades já serviram para angariar fundos para causas sociais. Neste reino da ilusão "faço desaparecer coisas que existem" porque o que "fazemos é escamotear a verdade de alguns objectos" – garantiu o Pe. Manuel Armando. No meio de tanta panóplia de instrumentos "não consigo fazer aparecer nada que não exista".
Ao definir o ilusionismo, o Professor Marcos do Vale realça que esta arte "ilude o sentido da visão e audição das pessoas". Através desta arte, "conseguimos distrair a sua atenção noutro lado".
O nome Marcos do Vale tem uma explicação. Aproveitou o nome do pai – Marques – que transformou para Marcos e o nome da localidade de nascimento, Vale Maior (concelho de Albergaria-a-Velha). Quando participou no primeiro festival internacional de artes mágicas, onde "entrava também o mentalismo", o Pe. Manuel Armando correu no domínio da hipnose. "Pediram-me um pseudónimo por causa das pontuações e passei a utilizar Marcos do Vale" – confessou. E acrescenta: "passou a ser este o «nome de guerra» nestas andanças".
Com 67 anos de idade (6 de Outubro de 1941) e algumas décadas de artista, o Pe. Manuel Armando não contabiliza os espectáculos que faz, mas "andam lá pelos milhares". Já percorreu Portugal de lés a lés e países de vários continentes. "Vou com frequência fazer espectáculos às comunidades portuguesas espalhadas pelos diversos cantos do mundo" – reconhece.
Muito para contar
No âmbito das recordações, o professor Marcos do Vale sublinha que num espectáculo nos Estados Unidos da América com outro artista português a comunidade esperava alguns milhares de pessoas na plateia. O feitiço virou-se contra o feiticeiro e "actuámos somente para trinta pessoas". Às vezes, a agilidade é inimiga e "falha-se o truque", mas "remediamos a coisa para outro lado". E explica: "aquilo que falhou, faz de conta que foi um truque." Episódios caricatos… Um dia teve de actuar numa arena porque a tarde da festa era preenchida com uma vacada e o professor Marcos do Vale. "Puseram-me a actuar no meio da arena (risos) em cima de uma camioneta com os taipais descaídos". Com um sorriso nos lábios afirma: "nunca me senti tão touro como naquele dia". Só fez o primeiro truque – "as pessoas não devem ter percebido nada" – e o resto da actuação foi noutro local.
Com uma agenda muito preenchida, certo dia o professor Marcos do Vale enganou-se na hora do espectáculo. Confundiu as 15 horas com as 17 horas… No final, "pediram-me uma indemnização". Com toda a naturalidade disse que podia rasgar o cheque e dar-lhes "um bocadinho desse mesmo cheque". No dia seguinte, quando foi fazer o depósito ao banco, "o cheque estava mais careca que o Santo António". (risada geral)
Este artista não tem empresário porque "gosto de ser livre" e "actuar quando e onde posso". Esporadicamente, um ou outro empresário pede-lhe o seu contributo. Eles trabalham na base das "percentagens", mas o Pe. Manuel Armando gosta que as pessoas "saibam linearmente quanto recebo por espectáculo". E esclarece: "nunca recebi mais de 750 euros por espectáculo".
Habitualmente, não trabalha com animais porque "dão muito trabalho e não tenho tempo para isso". As cordas, cartas, aros e bandeiras são os objectos preferidos para enganar as pessoas.
Conciliar paixões
O convite para os espectáculos ao Houdin (célebre ilusionista francês, 1805-1871) dos padres em Portugal deve-se a vários factores. "Sou convidado para trabalhos religiosos, mas junto o útil ao agradável" – enfatizou. Depois destas tarefas coloca o saber acumulado da "arte de palco nas festas para onde recebi o convite".
Nunca teve acções de formação no ilusionismo. "Sou um autodidacta e curioso" – considera. O entusiasmo nesta área "leva-nos a progredir" e a "fazer diferente e melhor". Se a vida estiver organizada "temos tempo para tudo". No entanto, o Pe. Manuel Armando esclarece que se tiver uma actividade eclesial e um convite para um espectáculo "primeiro está a minha missão de padre".
Habitualmente e com a ajuda dos colegas sacerdotes consegue satisfazer os vários pedidos. A magia e a hipnose não "são fonte de rendimento" para o Professor Marcos do Vale. Este hobby é um complemento à vida sacerdotal. Todavia, alguns espectáculos são pagos. "Um cachet justo" – confidenciou. Quando é convidado para causas solidários, o artista actua de forma gratuita.
A sua magia ainda não chegou ao campo vocacional. Ainda não conseguiu aumentar o número de vocações sacerdotais. De forma peremptória diz: "isso queria eu, mas tenho procurado cativar a juventude". E confessa: "há miúdos que dizem que gostavam se ser padres para fazer aquilo que faço". (Risos)
Os anos trouxeram-lhe saber acumulado nas artes mágicas. Neste braço de ferro entre o que existe e o que desaparece, o padre da diocese de Aveiro ganha, mas gosta de ensinar algumas perícias. "Ensino aos miúdos alguns truques" – afirma. Comunica a alegria de ser padre através das suas habilidades. E recorda o nascimento da sua vocação sacerdotal: "quando andava na escola primária, um padre – tinha uma mota muito velha – passava junto de nós e parava para falar connosco. Admirava aquela mota e dizia que queria ser padre para ter uma mota".
Reconhece que não treina muito a não ser quando tem um aparato novo. Tem vários livros sobre os temas e vai a alguns encontros de ilusionistas. "Sabem que sou padre e respeitam-me" – salientou. Ao olhar para os seus colegas sacerdotes da diocese aveirense não vislumbra nenhum sucessor nas artes da magia. "Têm muitos dotes, mas nenhum para a arte de iludir".
Não explicou como consegue «enganar» a plateia, mas confessa que é uma questão de agilidade. "Quanto mais querem ver, menos vêem". O preto é a cor dominante nos ilusionistas, mas o professor Marcos do Vale não tem uma indumentária de artista. "O fato da semana ou do Domingo é aquele que utilizo no palco" porque "não tenho dinheiro para esses fatos".
Um artista simples que não utiliza também o cabeção. "Não uso desde que saí do seminário". "Há rapazes novos que saem com essa virtude do seminário, no entanto penso que não é o cabeção que nos faz padres" – frisou.
Percurso de vida
Entrou para o seminário em 1952 e fez todo o ciclo preparatório naquela instituição de Aveiro. Posteriormente, foi para Lisboa, para o Seminário dos Olivais, onde esteve quatro anos. Foi ordenado a 25 de Julho de 1965, na Sé de Aveiro, por D. Manuel de Almeida Trindade, falecido em Agosto de 2008. "Estive um ano na Gafanha da Nazaré, depois vim para Águeda. Estive também em Cacia durante 20 anos e agora estou em Aguada de Baixo e Avelãs de Caminho" – declarou o sacerdote.
D. Manuel de Almeida Trindade, D. António Marcelino e D. António Francisco Santos foram os três bispos que teve como padre desta diocese. Nenhum destes pastores manifestou desencanto pelo hobby do Pe. Manuel Armando. "Sabem que estou a tempo inteiro como padre". E acrescenta: "sempre me incentivaram porque procuro dar testemunho daquilo que sou na Igreja".