Março de 24

Isabel Figueiredo, Diretora do Secretariado Nacional das Comunicações Sociais

O processo da escrita é sempre surpreendente. Podemos estar duas ou três horas à volta de um texto e, de um momento para o outro, a atualidade impõe-se e começamos tudo de novo.

Foi precisamente o que me aconteceu. Depois de dar por terminado um texto assente na celebração de mais uma Páscoa, tempo maior na vida de todos os cristãos, prestei atenção ao que se estava a passar na nossa Assembleia da República, repleta de novos deputados, como resultado das últimas eleições. Julgo que tal como eu, milhares de portugueses estaríamos tranquilos em relação à eleição do Presidente da Assembleia, segunda figura do Estado é verdade, mas acima de tudo alguém que tem o dever de orientar e fazer funcionar os mecanismos institucionais da nossa democracia.

Assisti, surpreendida, a uma sequência de declarações e de ações, difíceis de prever. Bem sei que já vimos muitas imagens de parlamentos onde a violência verbal e física é uma realidade. A última campanha eleitoral também nos mostrou que não estamos imunes a um determinado tipo de comportamento que nos faz recordar com saudade, grandes estadistas portugueses, dos mais diferentes espectros políticos. Homens e mulheres que pautaram a sua vida política por uma postura de valores, educação e sabedoria que não se perde no tempo e permanece como referência de muitos.

Vivemos outro tempo, é verdade. A utilização das redes sociais arrasta consigo uma nova forma de viver e, logicamente, uma nova forma de fazer política. Mas quando o mundo moderno já anuncia a urgência de revermos esta comunicação on-line permanente, este alimentar de uma realidade virtual, onde todos podemos ser constantemente manipulados, quando isto acontece, é necessário repor o que significa valor, verdade e realidade.

Vivemos outro tempo, é verdade. Mas perante alguns momentos a que assisti, na passada terça-feira, só me consigo lembra da minha avó, que viveu as tensões e perseguições da Primeira República, em Lisboa, mais propriamente na rua de São Bento, onde morava e que nos dizia com uma voz serena, enquanto tricotava: «não discutam com todos, porque há sempre aqueles a quem puxa o pé para o chinelo.»

Vivemos outro tempo é verdade. Mas a liberdade conseguida no 25 de Abril, que abriu as portas à democracia em Portugal, precisa de homens e mulheres que saibam governar com fidelidade aos seus valores, com verdade nas palavras e nos atos, conscientes de que somos um país pobre, pouco produtivo, com problemas demasiados graves na saúde, na justiça e na educação. Precisamos de homens e mulheres que saibam governar com elevação, capazes de nos assegurar que aquilo a que se propõem é o bem comum, que tem de ser sempre o bem dos mais pobres, dos mais desprotegidos. Precisamos de homens e mulheres, com quem até podemos não concordar, mas que admiramos pela sua retidão e coerência. Não existem, já não são deste tempo, agora os valores são outros, esta conversa soa a moralismos, dirão alguns. Custa-me muto a acreditar que nos conformemos com esta resposta.

Assim como a admiração da beleza de um quadro, de uma música ou de uma paisagem não é exclusiva de ricos e poderosos, a moral, a verdade e o serviço de quem está no poder, são valores que todos reconhecem.

Isabel Figueiredo

 

 

 

 

 

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