Entrevista com Mário Rui Silva, CEO da HPP Euro RSCG À medida que nos aproximamos do Natal, intensificam-se as imagens e sons publicitários que associam esta quadra festiva a um determinado produto ou instituição. A “apropriação” do Natal pelo mundo do consumo foi o ponto de partida para um outro olhar sobre a estação, numa conversa com Mário Rui Silva, CEO da HPP Euro RSCG, especialista que já representou Portugal na categoria “Lions Direct” do Festival Internacional de Publicidade de Cannes. Agência ECCLESIA (AE) – No mundo da publicidade, o que significa o Natal? Mário Rui Silva (MRS) – Para nós, publicitários, o Natal é igual a consumo. Uma coisa é a forma como os publicitários vivem o Natal – e no meio há muita gente católica -, outra coisa é quando se fala no negócio. O nosso negócio é ajudar as marcas a vender, pelo que acabamos por criar emoções em marcas que, racionalmente, são cada vez mais iguais, damos-lhe uma personalidade própria para elas venderem mais. Em última instância, a nossa obrigação é fazer com que as marcas vendam mais e o Natal é, de facto, um período importantíssimo do consumo. AE – E a capacidade dessa “marca” Natal é infinita, continua a crescer? MRS – Não tenho dados que me permitam dizer se está a crescer. Nós trabalhamos muito com Shoppings e nas grandes “catedrais” do consumo as vendas neste período (Outubro a Dezembro) representam quase 30% do total do ano. Isto depende do tipo de negócio, do tipo de produto, até das condições atmosféricas. Imagine que não há frio, como este ano: as roupas de Inverno não vendem. Em condições normais, há produtos que apostam claramente nesta época do ano. No caso do chocolate, chega a ser 30% do total do consumo. No caso do Bolo Rei, provavelmente, estamos a falar de mais de 60% ou 70%. AE – Poderia pensar-se que o Natal não precisa de muita publicidade… MRS – Sim, o Natal é uma “marca” que só por si já tem um Share fantástico (risos), não precisa de mais nada. Tem uma notoriedade incrível, ainda por cima acontece todos os anos na mesma altura e digamos que não é preciso grande trabalho para chamar a atenção. Agora, as marcas entre si, a concorrência que existe normalmente, é que fazem toda a diferença: uns começam a apregoar o Natal mais cedo, outros inventam atributos relacionados com a época do ano, com as sensações das pessoas ou com as modas que vigoram. Elas é que tiram partido deste período para vender mais. AE – A antecipação do tempo do Natal não pode causar um desgaste excessivo? MRS – Volto a frisar que separo duas vertentes: dentro das agências de publicidade, e nos consumidores em geral, há muita gente que é católica e celebra o Natal como uma festa religiosa, não como uma festa de consumo. Na verdade, contudo, estamos inseridos numa sociedade consumista, e as pessoas acabam por estar condicionadas pelo meio em que vivemos e estamos inseridos. A questão de começar mais cedo ou a diferença de comunicação feita pelas várias marcas só tem a ver com uma questão consumista, que está bem presente nos produtos. Isto não vai modificar, em nada, o significado que o Natal tem para a maior parte das pessoas, que sabem que ele acontece a 25 de Dezembro mesmo que as campanhas comecem em Outubro. O sentimento não muda em nada. AE – Parece haver uma tendência recente de grandes marcas quererem “apropriar-se” do Natal. Vemos, por exemplo, bancos a associarem o seu nome a iniciativas como uma “Vila Natal” ou uma “Árvore de Natal”… MRS – Há fenómenos que são um bocadinho estranhos. É mais uma forma de chegar ao consumidor e atingir objectivos comerciais, nada disso vai desvirtuar o verdadeiro sentimento do Natal, são meros artifícios comerciais para conseguir vender mais. O Natal é algo que não se pode patrocinar, o que há é eventos associados ao Natal que podem ser patrocinados. Trata-se de um aproveitamento desta época para vender mais, para projectar a imagem, mas ninguém se pode apropriar do Natal. Esta é uma data religiosa, que as pessoas respeitam, com grande dimensão familiar. O consumo desregrado, que há nesta altura do ano, pode ajudar cada um de nós a ganhar uma consciência maior em relação às pessoas desprotegidas, aos que mais sofrem e têm mais problemas. O lado positivo deste consumismo exagerado é, para mim, o chamar à atenção das pessoas para uma reflexão importante, que é a de estarmos despertos para as necessidades de muita gente. AE – Esses sentimentos que emergem por altura do Natal também podem ter um potencial “publicitário”? MRS – Certamente. A maior parte das vezes, por exemplo, os apelos são dirigidos à família, procurando sensibilizá-las numa altura em que se congregam e estão mais unidas. Até do ponto de vista religioso, há um aproveitamento do lado mais comercial, acho que são coisas que são algo indissociáveis. A maior parte das campanhas são feitas nesta altura, as instituições de solidariedade aproveitam para procurar recolher donativos, sensibilizando as populações para fazer bem, porque esta é uma altura mais propícia para isso.