Manoel de Oliveira: Um homem de fé

Um olhar sobre a vida e obra do cineasta, vencedor do Prémio de Cultura Padre Manuel Antunes de 2007 Em 1908 nasce, no Porto, Manoel Cândido Pinto de Oliveira no seio de uma família da burguesia industrial. Desde muito novo que se interessou pelo cinema, graças a seu pai, que o levava a ver filmes de Charles Chaplin e Max Linder. Despertou-lhe o interesse pela Sétima Arte. Estudou no Colégio Universal, na cidade portuense, e, posteriormente, no Colégio Jesuíta de La Guardia, Galiza. No entanto, foi como desportista – ginástica, natação, atletismo e automobilismo – que o seu nome ganhou notoriedade. O jovem Manoel de Oliveira sempre mostrou interesse pelo cinema e à beira de completar 99 anos (11 de Dezembro) ama, vive e respira a Sétima Arte. É o cineasta mais idoso em actividade e o português que mais filmes realizou. Sem temor construiu Manoel de Oliveira uma das carreiras mais enérgicas da história do cinema mundial, “que pôs sempre em questão as normas cinematográficas e com inegável acento pessoal” – (Cabrita, António; In: Jornal «Expresso» de 5 de Dezembro de 1998). Com sete década de fulgor criativo e de uma carreira invulgaríssima, este cineasta é, no entanto, “um caso de artista mais estimado fora do que dentro de portas” – (Cabrita, António; In: Jornal «Expresso» de 5 de Dezembro de 1998). A cidade que o viu nascer tem sido presença constante nos seus projectos cinematográficos. Começou logo com «Douro, Faina Fluvial», realizado em 1931. A primeira longa-metragem «Aniki-Bobó» também tem a cidade do Douro como pano de fundo, assim como o documentário «O pintor e a cidade» (1956). Já neste século, em 2001, Manoel de Oliveira coloca a Invicta na tela do cinema com «Porto da Minha Infância». Os inúmeros prémios ganhos nos festivais mundiais colocam-no como o realizador português mais internacional: Leão de Ouro do Júri do Festival de Veneza; a Medalha de Ouro do Festival de Sorrento, em Itália, em 1988; a Medalha de Ouro do Festival de Siena, 1964, e o Prémio do Júri do Festival de Cannes, em 1999. As imagens paradas, os longos planos, os diálogos teatrais e o peso da palavra são marcas do autor a quem é atribuído, em 2007, o “Prémio de Cultura – Padre Manuel Antunes”. Apesar dos muitos prémios recebidos, Manoel de Oliveira também conviveu com o mal-estar do público. Na projecção de «Douro, Faina Fluvial», em 1931, no V Congresso Internacional da Crítica, o filme “foi vaiado, pateado e assobiado por uma plateia lusitana em fúria, face ao espanto dos congressistas estrangeiros” – (Cabrita, António; In: Jornal «Expresso» de 5 de Dezembro de 1998). O escândalo foi motivado pelo facto de o filme «mostrar mulheres enfarruscadas com carretos de carvão à cabeça…e as vielas do Porto… e as casas leprosas do Barredo… oh, vergonha das vergonhas!» escreveu-se na altura. A história repetiu-se cerca de 50 anos depois. A adaptação ao cinema de «Amor de Perdição» levantou também celeuma. Desta vez o foco da polémica situou-se na “cinematização de Oliveira com a solenidade de Camilo” – (Cabrita, António; In: Jornal «Expresso» de 5 de Dezembro de 1998). Dez minutos de Aplausos Em 1993, o filme «Vale Abraão» foi apresentado na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes. No final foi “saudado com uma ovação de dez minutos” e aclamado como a obra-prima das obras-primas” – (Ramos, Jorge Leitão; In: Jornal «Expresso» de 16 de Outubro de 1993). Devido a este sucesso além fronteiras, o cineasta portuense concedeu uma entrevista ao Jornal «Expresso» onde relata as formas e os embriões dos argumentos cinematográficos. “Quando comecei a fazer cinema não conhecia ninguém das tertúlias literárias”. Foi o cinema que o aproximou de escritores, pintores, arquitectos, filósofos e poetas. Nesse tempo eram companheiros de tertúlia: “eu, o Casais Monteiro, o Leonardo Coimbra, o José Marinho, o Álvaro Ribeiro, o Delfim Santos e outros” – confessou na entrevista a Jorge Leitão Ramos. E acrescenta: “foram eles que me foram dando indicações sobre livros importantes”. Este tipo de convívio ficou nos seus hábitos. Esclarecimentos factuais para a construção dramatúrgica de um argumento. “Há o nosso médico, amigo de casa, que escreve livros sobre psicologia, com quem discuti, por exemplo, a questão do bovarismo, que é o tema de «Vale Abraão» – relatou Manoel de Oliveira na entrevista ao Jornal «Expresso», de 16 de Outubro de 1993. O trabalho prévio é fulcral para o sucesso do produto final. No «Vale de Abraão» “fiz as «repérages» muito antes de escrever. Visitei os lugares, tirei uma série de fotografias, casa por casa, interior por interior” – sublinhou. Quando escreve, Manoel de Oliveira gosta de saber quem são os actores, sobretudo os principais. “Conhecendo bem o actor, sei o partido que posso tirar dele, estou a vê-lo, ele é o personagem” porque o cinema “é uma coisa extremamente concreta” – afirmou a Jorge Leitão Ramos. Aproximação ao Universo Religioso Manoel de Oliveira está numa “fase decididamente religiosa. Em conversa, o tema do sagrado é quase o único que suscita as suas respostas mais empenhadas” – escreveu Pedro Mexia no Jornal «Diário de Notícias», de 9 de Março de 2006. Afinal, «Espelho Mágico» (Adaptado do romance de Agustina Bessa-Luis «A Alma dos Ricos») conta a história de uma fidalga nortenha que acredita que Nossa Senhora era uma mulher rica e que acalenta o desejo de uma aparição. O cineasta portuense admite que o enredo “tem um toque ridículo”. Mas acrescenta: “A crença em si não é ridícula. Tanto se pode ser lúcido na crença como na descrença. Digo mais: todas as crenças repousam na dúvida, e o laicismo não tem dúvidas. O princípio da incerteza está mais do lado da dúvida que do lado da certeza” – (Mexia, Pedro; In: Jornal «Diário de Notícias» de 9 de Março de 2006. A aproximação ao universo religioso e a recusa do laicismo que, segundo Manoel de Oliveira, ameaça a nossa liberdade, é uma constante do seu discurso. “Agora tiram o véu às meninas, tiram os Cristos de algumas escolas, é proibido ter qualquer religião mas não é proibido ser ateu ou laico. Onde é que está a liberdade, onde é que está a tolerância?”. O cineasta reivindica a tradição judaico-cristã, dizendo mesmo: “O Novo Testamento e as proposições cristãs não foram nunca mais ultrapassadas. Sem discutir que sejam divinas ou não”. Para o decano dos cineastas em actividade no mundo – único que vem do tempo do mudo –, “Deus é coisa de que se não pode falar: se existe não o vemos, apenas dizem que existe” – (Silva, Rodrigues; In: «Jornal de Letras», de 2 de Dezembro de 1998). “Podemos crer n´ Ele e, como somos gente de boa fé, acreditamos” – completa. Nessa mesma entrevista ao «Jornal de Letras», Manoel de Oliveira confessou que os “projectos são como a fruta” porque “precisam de um tempo de amadurecimento”. Naquela altura estava a estudar o Pe. António Vieira. Do ponto de vista humano, religioso, político e literário, aquele jesuíta “é uma figura descomunal”. Os escritos deixados por ele são “verdadeiras obras-primas de pensamento, estilo e concisão”. E questiona: “Como é que um homem, depois da Restauração (1640), tem um tal saber e uma força de vontade de remar contra a corrente do tempo, a propósito dos escravos, dos judeus e dos índios?”. O seu fascínio pelo Pe. António Vieira é detectável no filme «Non, ou Vã Glória de Mandar». “Está implícito” – acentuou. Ser humanista no século XVII como o Pe. António Vieira não é o mesmo “que sê-lo depois do 25 de Abril”.

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