Fernando Magalhães Crespo, antigo presidente do Conselho de Gerência da Rádio Renascença
Ao longo da existência de 75 anos da Rádio Renascença houve naturalmente muitos episódios com interesse para recordar e esclarecedores da sua missão como Emissora Católica Portuguesa.
Recordo aqui um deles em que estive pessoalmente envolvido e me permitiu definir, logo nessa altura, o que iria ser a atuação da estação a partir do reinício das emissões em 1 de janeiro de 1976 após a ocupação, por elementos internos e externos, a que estivera sujeita desde meados de 1974.
Devolvida a Rádio Renascença aos seus legítimos proprietários, a Igreja, por ato formal realizado dias antes em 28 de dezembro, tudo foi feito para que pudéssemos retomar as emissões logo no dia 1 de janeiro seguinte com a retransmissão da Missa da Igreja de S. João de Brito em Lisboa, o que passou a fazer-se regularmente todos os domingos e dias festivos.
No reinício da emissão estiveram presentes não só os três membros do Conselho de Gerência, Cónego Gonçalves Pedro, Luís Torgal Ferreira e eu próprio, mas também a quase totalidade do pessoal de Lisboa que, durante a referida ocupação, se mantivera fiel à Igreja. Nesse momento – não tenho vergonha de o confessar – não contive as lágrimas com a emoção que senti.
Natural de um Portugal raiano, Riba Côa, deslocava-me com alguma frequência, durante a minha adolescência, a Salamanca e visitava, entre outros monumentos, a sua antiga Universidade. Veio-me então à memória um facto passado em tempos idos e que ali é recordado.
Quando Frei Luís de Leon, professor nessa Universidade, que tinha sido preso na altura da Inquisição e libertado após um ano de cativeiro por ter sido reconhecido inocente, retomou a sua cátedra fê-lo com uma simples frase que veio a tornar-se celebre “como íbamos deciendo…” e continuou normalmente com as suas lições. Nem uma palavra de crítica àquilo por que passara, nem a mais leve diatribe contra aqueles que o tinham injustamente condenado.
Contei este caso aos presentes, como um exemplo a seguir, frisando que a luta que todos tínhamos travado não devia deixar em nós qualquer desejo de vingança, mas levar-nos apenas a que a Rádio Renascença retomasse simplesmente a sua missão como Emissora Católica Portuguesa.
Neste mesmo sentido fora a resposta que, dias antes em representação do Conselho de Gerência, tinha dado a um jornalista do Diário de Noticias, quando me perguntaram “Qual a orientação futura a dar à estação?”
Na edição de 30 de dezembro de 1975 deste jornal, num artigo sob o título “De acordo com a doutrina da Igreja a Rádio Renascença estará ao serviço de todos os portugueses” vem essa resposta: “ De acordo com a doutrina da Igreja, ela estará ao serviço de todos os portugueses, sem distinção de situações económicas, sociais, políticas ou religiosas, numa palavra estará ao serviço do Homem e empenhada na construção de uma nova sociedade, de uma democracia pluralista onde se promovam os verdadeiros valores da Justiça e da Liberdade, da Participação e da Abertura ao Transcendente. Para além de uma informação objetiva, far-se-á, naturalmente, critica dos acontecimentos á luz do Evangelho”.
E foi assim que a Rádio Renascença, fiel à sua missão, após três anos de emissão regular, em finais de 1978 atingia já o primeiro nível de audiência nacional de rádio. O seu “Segredo” para alcançar esta posição foi ter sabido descobrir a alma do povo português, irmanar-se com ela, oferecendo aos que a escutavam momentos de informação verdadeira, de entretenimento sadio e de enriquecimento cultural condizente com a formação, predominantemente cristã, do povo português.
A Rádio Renascença não é uma simples emissora religiosa. Bem para além dos seus programas especificamente religiosos, por sinal de grande audiência, tem sido uma rádio generalista, abordando todos os assuntos que podem interessar às pessoas, geradora de movimentos de solidariedade, suscitadora de identificação consigo própria, no fundo a “Companhia Amiga” dos seus ouvintes
Fernando Magalhães Crespo, antigo presidente do Conselho de Gerência da Rádio Renascença