Editorial – João Aguiar Campos
Apresso-me a prevenir os leitores: não vou escrever sobre desânimo, descrença ou abulia. Não o quero fazer, embora pudesse encontrar pretextos nas dificuldades diárias. O título destas linhas quer ser uma simples prevenção, a pensar nas férias. Não é, de facto, tão raro quanto isso que, ao fim de uns dias ou semanas ausentes do trabalho, regressemos às ocupações diárias mais cansados que no momento em que as suspendemos. Já um velho professor meu – o cónego Arlindo Ribeiro da Cunha – nos dizia, aos jovens seminaristas, à segunda-feira: “Depois de um domingo ou feriado nunca se deveria trabalhar. É que a gente também precisa de descanso!…"
Importa, pois, estar de sobreaviso contra esta eventualidade.
Eu próprio – que já tive a ousadia de me auto propor para o rol dos sensatos – tenho de confessar que isso me aconteceu: acampei, entrei no comboio à noite e saltei dele na madrugada; carreguei mochilas pesadas e carteira vazia; comi em andamento e bebi nas fontes; coleccionei postais e tentativas de entrar de borla em museus e espectáculos; espreitei noitadas e contei as horas rabujando no saco cama que não amaciava o chão das estações…
Ganhei alguma coisa com isso? Ganhei bastante. Mas também perdi muito: a sofreguidão nem sempre me deixou saborear; os roteiros alguma vez me distraíram da verdade que estava mesmo diante dos olhos; a foto rápida frequentemente me criou a ilusão de que tinha visto a sério o que, afinal, apenas fotografara. Mas, sobretudo, por diversas ocasiões me aconteceu o que acima apontei: voltei ao trabalho mais cansado que nunca e – o que agora me parece mais penalizador — com uma subtil ou incómoda sensação de desperdício.
Hoje gostaria, por isso, de poder regressar a muitos sítios, para pedir desculpa de ali haver passado a correr. Gostaria de sentar-me em muitas catedrais, igrejas, galerias de arte — ou mesmo esplanadas — sem a sofreguidão de estar noutro lugar no minuto seguinte. Realmente, nem tudo tem a paciência do livro que nos espera após cada abandono, passem-se escassas horas ou um mês de poisio…
Sim, hoje reconheço que há instantes que poderiam ser profundos ou continuados se não me tivesse resignado à sua aparente instantaneidade.
As férias que alguns de nós (ainda) podem ter não são uma espécie de “dinheirinho extra” que nos veio de uma surpresa e, por isso, é tentadoramente aceitável gastar levianamente. Mais que um tempo extra, as férias podem/devem ser um tempo extraordinário. Sê-lo-ão, porém, apenas se nos proporcionarem a oportunidade para o essencial.
Mas como defini-lo? – perguntam.
Numa resposta simples, entendo que na lista do “essencial” podemos inscrever grande parte das coisas que sempre dizemos não fazer “com muita pena”, por “falta de tempo”. Há, de facto, desculpas mais frequentes que estas: “Não tive tempo”, “não tenho tempo”, “não sei se terei tempo”?.. Apresentamo-las aos amigos e à família; apresentámo-las a Deus e a nós mesmos. E o pior é que o fazemos com grande convicção, tão habituados que estamos a gerir mal e a não joeirar, quantas vezes imersos em contradições: não tempos tempo e desbaratamo-lo; não temos saúde e descuidamo-la; cansamo-nos a descansar…
João Aguiar Campos