«Nesta época a alma madeirense vem ao de cima, naquilo que ela tem de melhor» – D. Nuno Brás
Lisboa, 14 jan 2024 (Ecclesia) – A festa litúrgica de Santo Amaro, que se assinala anualmente a 15 de janeiro. marca o fim do ciclo de celebrações natalícias em várias localidades da Madeira, incluindo as tradições ligadas ao “varrer dos armários”.
“É qualquer coisa inexplicável, que diz muito a alma madeirense naquilo que tem, naquilo que ela tem de festa, de presença de Deus, também de fraternidade. Este clima de bem querer, que depois se manifesta, por exemplo, nas visitas aos presépios”, refere D. Nuno Brás, bispo do Funchal, em entrevista à Agência ECCLESIA.
O responsável católico, na diocese desde fevereiro de 2019, admite a surpresa perante a dimensão que as celebrações do Natal – a “Festa” para os madeirenses – ganham no arquipélago, desde o presépio, nas casas, às manifestações comunitárias de fé.
“Nesta época do Natal a alma madeirense vem ao de cima naquilo que ela tem de melhor”, indica D. Nuno Brás.
O bispo do Funchal recorda que estas tradições nasceram num contexto em que a vida era “muito difícil”, nestas ilhas, sublinhando a importância da fé para a população.
“A fé dá um novo horizonte, mostra que os sofrimentos do tempo presente não têm comparação, como diz São Paulo, com a glória que se há de manifestar”, aponta.
Na noite de 14 para 15 de janeiro, existe a tradição de as pessoas se juntarem para colocar um ponto final à quadra natalícia.
Emanuel Gaspar, coordenador da Casa da Cultura de Santa Cruz, apresenta ao Programa ECCLESIA, emitido este domingo na Antena 1, a importância da festa do Santo Amaro neste concelho madeirense.
“As pessoas vão de casa em casa, simbolicamente levam uma vassourinha, pequenina muitas vezes feitas com urze ou compradas, para limpar o que resta do Natal, das iguarias, os licores, os doces, as broas”, refere.
Esta tradição é apresenta na feira etnográfica que está aberta ao público no centro de Santa Cruz, por iniciativa do município local, procurando que “esta memória imaterial se continue a perpetuar”.
Santo Amaro, monge beneditino do século VI que foi companheiro de São Bento, é particularmente evocado na cidade de Santa Cruz.
“Esta devoção tem uma tradição desde os primórdios da ilha, desde a colonização, e perpetuou-se até hoje”, observa o historiador Emanuel Gaspar.
Rui Camacho, presidente da Associação Musical e Cultural Xarabanda, que recolheu um tema tradicional dedicado a Santo Amaro, fala desta festa “popular, pública”, centrada numa figura a quem “os cristãos confiam e que depositam os ex-votos, feitos em cera”.
Ao longo dos tempos, a festa transformou-se, mas “nunca se perdeu”.
“Há aqui uma religiosidade popular. Há aquilo que acontece dentro da Igreja e o que se repete fora da Igreja, nas casas, até nos espaços públicos, como o varrer dos armários”, acrescenta.
Para Rui Camacho, a preservação da identidade passa pelo conhecimento da “tradição”.
“Primeiro de tudo sente-se e depois compreende-se. Se eu não estiver lá para perceber como é que essa relação entre o homem, a terra e o divino, vai ser complicado compreender o porquê destas festas de caráter religioso”, observa.
As celebrações dedicadas a Santo Amaro acontecem ainda em várias localidades da ilha da Madeira.
OC