Madeira: Estar numa ilha é uma possibilidade para «olhar mais longe» – D. Nuno Brás

Em entrevista à Rádio Renascença e à Agência Ecclesia, o novo bispo da Diocese do Funchal diz que a nomeação do Papa «foi não foi» uma surpresa, refere a realidade social do arquipélago e diz que deseja visitar o Porto Santo, que ainda não conhece

Foto Agência ECCLESIA / MC

 

Entrevista conduzida por Ângela Roque, da Renascença, e José Carlos Patrício, da Agência ECCLESIA

Como é que acolhe esta nomeação como bispo do Funchal?

Com temor e com confiança. Com temor porque sei as minhas limitações, não vale a pena fingir que sou super-homem, que não sou, ou super-bispo, muito menos. Mas, com confiança, porque foi o Papa Francisco quem me escolheu. Trata-se de confiar no Papa, de confiar sobretudo no senhor Jesus, e acreditar que ele não vai abandonar aqueles que escolhe, portanto é com muita confiança que vou para a Madeira.

Foi uma surpresa esta nomeação?

Foi e não foi. Não foi completa surpresa no sentido de que já vários amigos, várias pessoas vinham ter comigo e diziam que era possível que eu fosse para o Funchal, mas acaba sempre por ser depois um momento inesperado.

Um bispo jornalista, comunicador, como é que espera conquistar os corações das comunidades madeirenses?

Sendo pastor, e estando como pastor, como sucessor dos apóstolos que está, que anuncia o Evangelho, e que procura inserir-se naquilo que é uma história de 500 anos. A diocese do Funchal celebrou há pouco tempo os 500 anos da sua existência, uma longa história de fé, portanto inserindo-me nesta história, respeitando-a certamente, e depois conhecendo as pessoas, estando com elas e anunciando o Evangelho com toda a ousadia e coragem. Quer dizer, se S. Paulo estivesse à espera de conhecer Atenas ou Corinto nunca lá teria ido, portanto eu vou assim também com esta ousadia.

Há uma coisa que é importante, que é o facto de eu conhecer uma boa parte do presbitério do Funchal, porque ou foram meus colegas ou foram meus discípulos, a quem ensinei teologia, e com quem estive nos tempos de seminário. Penso que isso que será importante também para uma maneira de estar e para poder estar com algum à vontade de quem conhece, não a diocese no seu todo, mas grande parte do clero madeirense.

Uma das formas de comunicar a que nos habituou nos últimos anos são as suas crónicas. Ainda recentemente lançou o livro “Cenas de Deus”, que reúne algumas delas. Como bispo do Funchal também pretende comunicar dessa forma?

Escrever estas crónicas tornou-se um vício. Mesmo em férias dou por mim a pensar em temas, em modos de abordar assuntos, tornou-se um vício. Vamos ver se o vício se mantém. Terei de fazer uma análise cuidada em relação àquilo que é a realidade da Diocese, em relação aos meios de comunicação de que a diocese dispõe, em relação aos meios de comunicação onde o bispo poderá entrar eventualmente. Quer dizer, não é necessário que estas crónicas sejam no órgão da diocese. Não sei, vamos ver. Mas, sendo um hábito agradável este de escrever, de olhar para a realidade e de escrever sobre ela, talvez sim. Vamos ver o que é que a prudência e o discernimento dizem quando eu lá chegar.

Como é que encara esta particularidade de ir ser um bispo numa ilha? O que é que isso também significa para si?

Significa que há horizontes. Creio que é importante vermos o mar não como uma realidade que separa, mas com uma realidade que une, e neste sentido vou de uma diocese que confina com a diocese do Funchal. Muitas vezes ao longo de toda a minha vida, daqui da diocese de Lisboa olhei o horizonte naquela direção, agora trata-se de olhar o horizonte para outras direções, também para esta daqui do continente, claro, mas para todas as outras direções. Portanto, neste sentido não me parece que o facto de ser uma ilha seja um sinónimo de claustrofobia, antes pelo contrário, é sinónimo de poder olhar mais longe, e nesse aspeto a Madeira, por aquilo que conheço dela, tem muitas e boas perspetivas, muitos e bons miradouros para se ver o horizonte, e isso marca necessariamente também a vida das pessoas. Portanto, este olhar mais longe, sobretudo olhar mais para Deus.

Olhando para alguns aspetos na Madeira, como a entrada dos emigrantes e lusodescendentes vindos da Venezuela, ou para a situação de desemprego, que é o mais elevado no país, como é que vê estes desafios sociais?

Com preocupação, como é óbvio, e com responsabilidade, no sentido de que nós cristãos não podemos nunca ignorar tudo aquilo que está à nossa volta, não vivemos fora do mundo, bem pelo contrário, vivemos nele, mergulhados nele. De uma forma muito particular a situação da Venezuela necessariamente preocupa. Creio que que será importante, antes de mais nada, acolher aqueles, madeirenses ou não, que vindos da Venezuela estão a viver na Madeira. Portanto, em primeiro lugar é necessário acolher aqueles que necessitarem da nossa ajuda. Depois será importante também desenvolver a cooperação com a Cáritas da Venezuela, enquanto instituição credível para apoio às populações madeirenses, e não só, que estão a viver momentos de muita dificuldade. Portanto eu diria: acolher por um lado, e por outro lado ajudar com aquilo que está disponível, como bens materiais, mas enfim, a todos os níveis.

Há experiências que já tenha tido na Madeira que gostasse de partilhar?

Para além daquilo que às vezes é a aflição que é aterrar no aeroporto do Funchal, por causa dos ventos, recordo várias missas novas, em que eu como padre do Seminário acompanhei os novos sacerdotes do Funchal, e isso guardo no coração. E guardo no coração o modo como as pessoas me acolhiam, como uma pessoa de lá, as várias comunidades, as famílias dos sacerdotes, dos seminaristas.

Tenho muita pena de nunca ter ido ao Porto Santo, portanto numa destas primeiras semanas irei certamente visitar aquela comunidade, porque nunca lá fui. De resto, desde o mar até à comida, mas sobretudo este acolhimento e a fé das comunidades madeirenses, isso marca. E as famílias também, perceber famílias cristãs que cuidam dos seus filhos, eventualmente até numa situação de maior pobreza que aquilo que é costume, mas que cuidam dos seus filhos e que transmitem a fé aos filhos e isso parece-me uma realidade muito bonita, uma riqueza que não podemos desperdiçar.

Neste momento em que é conhecida a sua nomeação para o Funchal, quer deixar alguma mensagem à diocese de Lisboa?

A Diocese de Lisboa será sempre a minha diocese do coração. Claro que agora sou madeirense, mas não posso deixar de olhar para a Diocese de Lisboa com muita gratidão. Será sempre a mãe que me gerou para a fé, para o sacerdócio e depois também para o episcopado e, portanto, tenho uma gratidão muito, muito grande, sabendo que levo Lisboa no coração. Enfim, quando tiver saudades hei de ouvir um fado da Amália Rodrigues para matar essas saudades e hei de cá vir, de vez em quando, e tenho a certeza que me sentirei sempre em casa em Lisboa. Embora o meu coração, desde o momento em que soube da nomeação, o meu coração já faça parte da Madeira.

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Agência ECCLESIA

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