Luto: «Lembrar pessoas é construir gratidão» – Padre Rui Santiago

Missionário Redentorista descreve o processo «feliz» de acompanhar alguém até ao fim da vida

Porto, 18 nov 2022 (Ecclesia) – O padre Rui Santiago, Missionário Redentorista, afirmou à Agência ECCLESIA que “lembrar alguém é construir gratidão” e que há a necessidade de uma “plataforma comum da dor”. 

“Lembrar é agradecer a pertença, não é lembrar factos ou dados, mas é construção de gratidão e de pertença, lembrar pessoas é construir gratidão e crescimento”, sublihou o religioso.

Olhando o mês de novembro, que inicia a recordar todos os santos e os fieis defuntos, o sacerdote indica que há “recordações que atravessam a vida”. 

“Eu acho que a Igreja não precisa de nos lembrar, nós não precisamos dessa ajuda, isso atravessa-nos a vida, e há cheiros, cores e lugares que nos atravessam a memória, eu vou saboreando que o que a Igreja faz no dia de todos os Santos e nos Fieis defuntos é perpetuar a lembrança, para ser memória pascal”, refere.

O padre Rui Santiago indica que, “ao jeito de mãe”, a Igreja “orienta os filhos” para recordar aqueles que já partiram, “os fieis defuntos” que “tingiram o livro da vida de cada um com os seus nomes”.

“A Igreja ao jeito de mãe, orienta os filhos para dizer olha como se recorda, como se passa de novo pelo coração, como se faz memória com os olhos cheios de futuro, como se faz lembrança com o corpo implodido de esperança, e, esse posicionamento que a liturgia faz, é profundamente salvador e redentor da nossa memória”, explica. 

O autor do livro “Como um Diário – também nos despedimos de quem amamos”, fruto do acompanhamento do padre Calmeiro Matias, conta que “não houve uma palavra escrita no livro que pensasse ser lia por outra pessoa”. 

“Não houve uma palavra escrita que eu pensasse que pudesse ser lida por outra pessoa que não eu, foram dias extraordinariamente felizes na minha vida, tive a graça de acompanhar quem foi meu pai na fé, também ele missionário redentorista”, lembra.

A experiência de “deixar que o diário seja lido” leva o sacerdote a considerar que se pode “partilhar experiências” no sofrimento porque se torna “um ponto de encontro”. 

Poucas coisas são mais ponto de encontro do que experiências comuns de sofrimento, nos desejos mais profundos e nas dores somos muito iguais uns ao outros; o que guardamos de mais íntimo e profundo, e achamos que é só nosso, é no que somos mais iguais, essa plataforma comum da dor parece-me muito necessária”.

O padre Rui Santiago contou que “fez um risco na sua agenda” para acompanhar o padre Calmeiro Matias, num processo oncológico, que dedicou a totalidade do seu tempo e admite que “cuidar até à despedida foi um privilégio”.

Foto: DR

“Eu podia amá-lo só, tive esse privilégio, eu estava a viver a experiência da morte de alguém e essa pessoa estava a viver a experiência da sua morte e partilhar esse momento, em que estamos intensamente vivos, no sentido que estava a viver cabalmente essa experiência, vivemos juntos e na fé, e por isso senti necessidade escrever o diário, para que não esquecesse do que estava a viver e do formato de lição que estava a receber”, descreve.

Na perspetiva do entrevistado a memória é para cada um, muitas vezes, “um território muito magoado, um arbusto atrás do qual é possível esconder” e só quando “alguém dá tempo e atenção” se torna possível “o milagre de começar a mudar”. 

Esta entrevista integra o programa de rádio ECCLESIA, sob a temática “lembrar”, na Antena 1 da rádio pública, este sábado às 06h00, ficando depois disponível online e em podcast.

SN

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