LUSOFONIAS – Um complicado adeus à Bolívia

Tony Neves, em Santa Cruz de la Sierra

Estar na Bolívia foi um encanto. Sair de Santa Cruz de la Sierra foi uma aventura complicada. Aqui não há tradições de greves ou manifestações massivas de rua. Quando o povo quer protestar, faz um bloqueio. Ou seja, piquetes de pessoas fecham as grandes estradas e ninguém mexe. Ora, na quinta-feira, dia da minha viagem de regresso à Europa, programou-se um bloqueio de protesto contra a falta de gasóleo e a escassez de gasolina, que faz com que filas enormes de camiões ladeiem todas as grandes estradas do país. Então, para um voo às 12h20, levantei-me às 3h da manhã e contei com a perícia do P. Filbertus que ‘enganou’ uma série de postos de bloqueio, fugindo por estradas secundárias. A verdade é que conseguimos chegar ao aeroporto e pude viajar.

Voltemos atrás no tempo. Fui à Bolívia com o objetivo de participar em dois eventos importantes para a grande Família Espiritana: o ‘Encontrão’, grande reunião aberta aos padres, irmãos, jovens em formação, Irmãs Espiritanas e os numerosos leigos que partilham a espiritualidade e a missão desta grande família religiosa. Teve lugar em Buenavista, a 200 kms de Santa Cruz. Correu muito bem, de acordo com as avaliações feitas no final. Apesar dos medos da organização, o evento não foi afetado por nenhum bloqueio, o que teria sido complicado de contornar, uma vez que participaram seis dezenas de pessoas vindas do Brasil, do Paraguai e da Bolívia. O segundo evento já teve lugar em Santa Cruz e juntou na Casa Nazareth, dos Missionários da Sagrada Família, os jovens padres espiritanos que foram nomeados para a América do Sul nos últimos cinco anos. Participaram apenas 13, pois foi negado o visto a vários deles, sobretudo aos originários da Nigéria, do Congo Kinshasa e de Angola.

No ‘Encontrão’ houve uma tarde especial: o grupo fez de autocarro 200kms para vir até Santa Cruz. Aqui visitou a Catedral, o centro histórico, seguindo depois para a Casa Principal dos Espiritanos e as duas paróquias de periferia confiadas aos cuidados pastorais desta Congregação: Maria de Nazaré e San Juan Bautista. Nesta última paróquia teve lugar uma celebração da Missa, presidida por D. René Leigue, arcebispo de Santa Cruz. Na presença do Superior geral dos espiritanos, P. Alain Mayama, o Arcebispo deu as boas vindas ao grupo, elogiou a presença Espiritana na Diocese e pediu mais missionários. Pediu – seguindo o Evangelho da festa de S. Tiago – que os Espiritanos continuem a servir com humildade e compromisso.

No Encontro dos Jovens Missionários, foi marcante a presença de D. Sergio Gualberti, Arcebispo emérito que continua a apoiar o seu sucessor que fora seu auxiliar! O seu percurso missionário fala por si, pois nasceu em Bérgamo (Itália), foi padre operário na Suiça e, depois, missionário na Bolívia. Muito empenhado nas Comunidades Eclesiais de Base, acabaria por ser nomeado Bispo em Santa Cruz, missão que desempenhou com muita coragem profética. Aos jovens Espiritanos, D. Sergio partilhou o longo e desafiante percurso da Igreja latino americana desde o Concílio Vaticano II aos nossos dias.

A Bolívia é um país fascinante, marcado por uma diversidade enorme. Tem, por isso, muita cultura e beleza natural para partilhar com quem visita. Pude visitar a Missão de San José, a 284 kms de Santa Cruz, uma das mais antigas dos tempos áureos da presença dos Jesuítas nesta região. Bem perto, apreciei as ruínas onde começou Santa Cruz, um parque arqueológico chamado Santa Cruz la Vieja. A uma vintena de kms de Santa Cruz, fui levado a Porongó, uma vila construída no meio da floresta, com uma Igreja muito antiga e paisagens de encher os olhos, sempre que subimos a uma colina.

Os olhos, a boca e o nariz têm sempre muito para desfrutar e para contar. Assim, o meu olhar guarda a beleza dos tajibos e dos toborochi; a boca e o nariz retêm os sabores da sopa de mani, as empanadas, o cunhapé, a chicha e o mocochinchi. Disso tudo falarei na próxima crónica que será de balanço desta visita a terras bolivianas. Mas aviso desde já que se querem comer McDonalds não devem vir à Bolívia…

Tony Neves, em Santa Cruz de la Sierra

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