Tony Neves, em S. Paulo – Brasil
Cheguei ao país ‘verde-amarelo’ após dez dias de ‘fechamento no quarto’ por causa de um teste covid positivo. S. Paulo, essa grande cidade de muitos milhões, continua a chocar pelos contrastes gritantes entre as áreas ricas e as favelas onde milhões de pobres tentam remar contra ventos e marés. Bastou a viagem do aeroporto até casa para perceber que as tendas armadas nas praças e nos separadores centrais das grandes avenidas aumentaram muito. Sim, são milhares a viver na rua, ali despejados porque não conseguiram pagar renda ou porque o álcool e a droga tomaram conta das suas vidas sofridas. Vários Espiritanos me disseram que é gritante o aumento da pobreza, resultado da conjugação da covid com más políticas de governação. A Folha de S. Paulo, a 24 de janeiro, véspera dos 468 anos da fundação da cidade, dizia na primeira página que a população de rua crescera 31% com quase 32 mil pessoas a viver na cidade, ao ar livre, chova ou faça sol.
A razão da minha visita a S. Paulo num período crítico da pandemia (a 28 de janeiro houve 779 mortos e 257239 novos casos) só podia ser missionária. Fui participar na XX Assembleia dos Espiritanos da Província do Brasil, com o lema ‘Vamos sonhar juntos’. Mesmo atrasado pela covid, ainda cheguei a tempo de visitar as Casas de Formação de Filosofia na Vila Mangalot e de Teologia no Bairro Ipiranga. Também pude ir até à favela do Jardim Planalto onde os Espiritanos vivem e trabalham. Presidi à missa dominical e visitei os diferentes bairros favelados e de ocupação na nova área de Santa Teresa de Calcutá, transformada na primeira paróquia de S. Paulo dedicada à santa da caridade.
Vindos de boa parte do Brasil, os Espiritanos reuniram-se em Assembleia no Centro de Espiritualidade Mary Ward, em Itapecerica da Serra, uma parcela de paraíso a uns 40 kms de S. Paulo. Os objectivos eram claros: encontrar-se para partilhar vidas e missão, rezar juntos, bem como aprovar as novas Directrizes missionárias e o Estatuto jurídico da Congregação neste país latino americano. Foram dias felizes. A Província do Brasil conta hoje com 39 Espiritanos e tem 18 candidatos em formação. Ali, respira-se missão, diversidade e futuro, bem ao jeito do carisma desta Congregação. A riqueza da plural proveniência não engana: Brasil, Bolívia, Camarões, Guiné-Bissau, Países Baixos, Nigéria, Polónia, Tanzânia e Portugal. Também a Missão é rica, pois há comunidades em Belo Horizonte, Contagem, Governador Valadares (Minas Gerais), Cabo Frio, Queimados (Rio de Janeiro), Ceilândia (Brasília), Salete (Santa Catarina), Jardim Planalto, Vila Mangalot (S. Paulo).
O primeiro dia foi de formação sobre as Decisões do Capítulo Geral realizado em outubro em Bagamoyo, na Tanzânia, enquadradas pelas propostas missionárias do Papa Francisco e pela dinâmica de Sinodalidade que marca a Igreja hoje. O Estatuto Jurídico e as Directrizes Missionárias foram aprovadas por unanimidade, depois de largas horas de trabalhos de grupos e discussões em plenário. Desde o início ficou claro que era fundamental perceber melhor o mundo e o país onde se vive. Provocaram-se os presentes com estatísticas sobre a pobreza e o impacto da pandemia, bem como os desafios de um mundo e um povo que já não confia na Igreja como o fazia antes. O P. Leonardo Silva, Provincial, recordava que sem pastoral e compromisso social não há missão espiritana e recordava os 39 milhões de latino americanos que estão migrar dentro do continente, muitos deles já a tentar sobreviver nas favelas ou no meio das ruas das grandes cidades brasileiras.
No Brasil, como em todo o mundo Espiritano, há uma partilha da espiritualidade e missão entre os Professos e os Leigos. A Assembleia contou com a participação de dois delegados, vindos do Rio de Janeiro e de Brasília, em representação das seis dezenas de pessoas leigas que integram a grande Família Espiritana.
Esta XX Assembleia terminou com a ideia reforçada de que a missão é exigente, mas decisiva. Além de enviar cada Espiritano para a sua casa, a Província do Brasil ‘ofereceu’ o seu padre mais jovem à Bolívia, para onde foi nomeado pelo Superior Geral.
Todos, nacionais e estrangeiros, partilharam a alegria de ser missão em terras brasileiras. Vivem, no dia a dia, as alegrias e esperanças, mas também as tristezas e angústias de um povo bom que não aceita ser reduzido a amantes do samba e do futebol. Há muita juventude e, por isso mesmo, as portas do futuro estão abertas. Daí a importância de compromissos missionários que denunciem as injustiças gritantes e proclamem um Evangelho libertador de todas as formas de exploração que calcam a dignidade das populações e que gere paz e fraternidade, ordem e progresso (como diz a bandeira).
Regressei a Roma na véspera de mais uma tempestade que inundou S. Paulo, fruto de históricas faltas de respeito pela natureza e suas forças, com florestas de betão em espaços que as águas consideram seus…
É urgente a vitória sobre a covid e todas as formas de corrupção. Há que investir mais na educação e na cidadania das populações. Há que apostar mais na justiça social. Há uma canção de samba que diz: ‘pau que nasce torto nunca se endireita’, mas fazer do Brasil um país de justiça, paz e ecologia integral é apenas uma missão difícil, não impossível.