LUSOFONIAS – Semear na Quaresma

Tony Neves, em Roma

No calendário de cada ano há 40 dias que nos inquietam e abanam. A Quaresma não pode deixar um cristão indiferente. O que se vai passar no fim dela é o acontecimento central e fundamental e, por isso, precisa de ser bem preparado. Se já investimos no Advento para preparar o Natal a sério, precisamos de dar o nosso melhor nos quarenta dias que antecedem a Páscoa.

Dada a sua importância e impacto desejado, os Papas habituaram-nos a uma Mensagem anual. Geralmente, começa com uma frase bíblica que nos questiona e convida a mudar. Sim, estes 40 dias ou nos convertem ou são tempo perdido! O Papa Francisco escolheu um texto da Carta de S. Paulo aos cristãos da Galácia onde pede que façamos o bem, sem dar asas ao descanso nesta tarefa de melhorar o mundo.

Nada melhor do que fazer ecoar as palavras escritas pelo Papa: ‘A Quaresma é um tempo favorável de renovação pessoal e comunitária’. A escolha bíblica (Gal 6, 9-10a) põe S. Paulo a estabelecer uma relação directa entre a sementeira e a colheita, sendo a Quaresma o tempo mais favorável para lançar no coração das pessoas a semente do bem e da verdade que transforma as vidas: ‘a Quaresma convida-nos à conversão, a mudar mentalidade, de tal modo que a vida encontre a sua verdade e beleza menos no possuir do que no doar, menos no acumular do que nos semear o bem e partilha-lo’.

Há que enfrentar a vida com coragem, percebendo a relação estreita entre o semear e o colher, sabendo que ‘um primeiro fruto do bem semeado, temo-lo em nós mesmos e nas nossas relações diárias, incluindo os gestos mais insignificantes de bondade’. Mas temos que ser altruístas e desencadear processos cujos frutos sejam colhidos por outras pessoas. Isto é bom porque ‘semear o bem para os outros liberta-nos das lógicas mesquinhas do lucro pessoal e confere à nossa actividade a respiração ampla da gratuidade’.

A lógica da semente tem tudo a ver com a dinâmica da ressurreição: assim como uma semente para dar fruto tem de cair à terra e morrer, assim também Cristo morreu para ressuscitar e nos dar a vida em abundância.

A globalização da indiferença também nos afecta e desmobiliza. Há que dar lugar à esperança no Senhor da vida: ‘não nos cansemos de rezar. Jesus ensinou que é necessário ‘orar sempre, sem desfalecer’ (Lc 18,1). Precisamos de rezar, porque necessitamos de Deus(…). No meio das tempestades da história, encontramo-nos todos no mesmo barco, pelo que ninguém se salva sozinho’.

Outra missão difícil, mas fundamental, da Quaresma é a luta contra o mal para o retirar das nossas vidas. O papa Francisco apela ao combate a todas as formas de pecado, utilizando a arma poderosa e eficaz do Sacramento da Reconciliação pois, como diz, ‘Deus nunca se cansa de perdoar’. Também há renúncias a fazer. Por exemplo, a de uma utilização excessiva dos meios de comunicação digitais, fenómeno que cria dependências difíceis de libertar, empobrecendo as relações humanas. Há, por isso, que cultivar ‘uma comunicação humana mais integral feita de encontros reais, face a face’.

A caridade é outra das armas quaresmais poderosas. Fazer jejum e penitência tem diversos objetivos: um deles é a partilha solidária com os mais pobres. Há que praticar a solidariedade com alegria: ‘ a Quaresma é tempo propício para procurar, e não evitar, quem passa necessidade; para chamar, e não ignorar, quem deseja atenção e uma boa palavra; para visitar, e não abandonar, quem sofre a solidão. Acolhamos o apelo a praticar o bem para com todos, reservando tempo para amar os mais pequenos e indefesos, os abandonados e desprezados, os discriminados e marginalizados’.

O tempo da Quaresma ajuda-nos a lembrar que realidades como ‘o bem, o amor, a justiça e a solidariedade não se alcançam duma vez para sempre; hão-de ser conquistados cada dia’. É essa a lição da constância e perseverança paciente do agricultor.

O Papa Francisco sintetiza: ‘o jejum prepara o terreno, a oração rega, a caridade fecunda-o’.

E, como sempre, a última palavra é para Maria, a mulher de coração ponderado: que a Mãe nos obtenha o dom da paciência, nesta corajosa caminhada rumo à Páscoa.

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Agência ECCLESIA

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