Tony Neves, em Cabo Verde
O papa Francisco publicou, a 12 de Fevereiro, a Exortação que conclui todo o caminho sinodal que foi feito sobre a Amazónia, com claras consequências sobre o mundo inteiro, tal o impacto que ela tem à escala do planeta.
Dá gosto ler este texto e ver o Papa a insistir na ideia de que é preciso amar os pobres e respeitar a mãe natureza. O documento assenta em quatro grandes sonhos: o social, o cultural, o ecológico e o eclesial.
Diz o Papa: ‘Sonho com uma Amazónia que lute pelos direitos dos mais pobres, dos povos nativos, dos últimos, de modo que a sua voz seja ouvida e sua dignidade promovida. Sonho com uma Amazónia que preserve a riqueza cultural que a caracteriza e na qual brilha de maneira tão variada a beleza humana. Sonho com uma Amazónia que guarde zelosamente a sedutora beleza natural que a adorna, a vida transbordante que enche os seus rios e as suas florestas. Sonho com comunidades cristãs capazes de se devotar e encarnar de tal modo na Amazónia, que deem à Igreja rostos novos com traços amazónicos’.
Sobre o sonho social, o Papa lembra que ‘a luta social implica capacidade de fraternidade, um espírito de comunhão humana’. Diz adiante que ‘a Amazónia deveria ser também um local de diálogo social, especialmente entre os diferentes povos nativos, para encontrar formas de comunhão e luta conjunta’.
O sonho cultural aponta para o poliedro amazónico, pois nesta parte do planeta ‘vivem muitos povos e nacionalidades, sendo mais de cento e dez os povos indígenas em isolamento voluntário. A sua situação é fragilíssima; e muitos sentem que são os últimos depositários dum tesouro destinado a desaparecer, como se lhes fosse permitido sobreviver apenas sem perturbar, enquanto avança a colonização pós-moderna’. E adianta o documento que ‘cada povo, que conseguiu sobreviver na Amazónia, possui a sua própria identidade cultural e uma riqueza única num universo multicultural, em virtude da estreita relação que os habitantes estabelecem com o meio circundante, numa simbiose – de tipo não determinista – difícil de entender com esquemas mentais alheios’. Mas as ameaças são constantes.
O mundo precisa do sonho ecológico da Amazónia, pois ‘o equilíbrio da terra depende também da saúde da Amazónia. Funciona como um grande filtro do dióxido de carbono, que ajuda a evitar o aquecimento da terra’. Mas, ‘além dos interesses económicos de empresários e políticos locais, existem também os enormes interesses económicos internacionais’. Há que avançar para uma educação e hábitos ecológicos.
Havia muita expectativa sobre o último sonho, o eclesial. O Papa insiste na aposta na ‘autêntica opção pelos mais pobres e abandonados, ao mesmo tempo que nos impele a libertá-los da miséria material e defender os seus direitos, implica propor-lhes a amizade com o Senhor que os promove e dignifica’. É importante investir mais na inculturação do Evangelho nos contextos amazonenses: ‘Não tenhamos medo, não cortemos as asas ao Espírito Santo’. Diz o papa latino-americano que ‘os povos indígenas da Amazónia expressam a autêntica qualidade de vida como um ‘bem viver’, que implica uma harmonia pessoal, familiar, comunitária e cósmica e manifesta-se no seu modo comunitário de conceber a existência, na capacidade de encontrar alegria e plenitude numa vida austera e simples, bem como no cuidado responsável da natureza que preserva os recursos para as gerações futuras’. Dada a situação de pobreza e abandono de muitos dos habitantes da Amazónia, o Papa propõe ’uma adequada formação dos agentes pastorais na doutrina social da Igreja’.
Há falta de missionários na Amazónia, ‘devido em parte à imensa extensão territorial, com muitos lugares de difícil acesso, grande diversidade cultural, graves problemas sociais e a própria opção de alguns povos se isolarem. Isto não pode deixar-nos indiferentes, exigindo uma resposta específica e corajosa da Igreja’. E, ‘nas circunstâncias específicas da Amazónia, especialmente nas suas florestas e lugares mais remotos, é preciso encontrar um modo para assegurar este ministério sacerdotal’, pelo que o Papa pede aos Bispos (sobretudo latino-americanos) para eles serem ‘mais generosos, levando aqueles que demonstram vocação missionária a optarem pela Amazónia’. E quer que a Igreja tenha ‘capacidade para abrir estradas à audácia do Espírito, confiar e concretamente permitir o desenvolvimento duma cultura eclesial própria, marcadamente laical. Os desafios da Amazónia exigem da Igreja um esforço especial para conseguir uma presença capilar que só é possível com um incisivo protagonismo dos leigos’. As mulheres devem desempenhar papéis fundamentais porque, sem elas, a Igreja ‘se desmorona, como teriam caído aos pedaços muitas comunidades da Amazónia se não estivessem lá as mulheres, sustentando-as, conservando-as e cuidando delas’.
E há que dar relevo á convivência ecuménica e inter-religiosa: ’como não lutar juntos? Como não rezar juntos e trabalhar lado a lado para defender os pobres da Amazónia, mostrar o rosto santo do Senhor e cuidar da sua obra criadora?