Tony Neves, em Roma
‘Mais do que ligados’ foi o que estiveram algumas dezenas de pessoas que participaram nas Jornadas da Comunicação Social, realizadas este ano através do zoom. Ou seja, não pudemos estar todos juntos, como acontecera nos anos anteriores, mas servimo-nos das tecnologias da comunicação para partilhar ideias, convicções, angústias e desafios sobre os conturbados tempos de pandemia. Sim, eles abanam-nos até às nossas raízes mais profundas, mas também fazem enormes apelos à nossa humanidade, abrindo janelas de esperança.
Foram muitos os intervenientes, pois estas plataformas de diálogo online permitem a interação. Mas vou focar-me na intervenção do Cardeal Tolentino Mendonça que abriu as Jornadas, dando o tom e provocando ondas que nos obrigam a navegar em águas mais tumultuosas sem nos afogarmos no desespero e na ausência de sentido e de futuro.
‘Começou o futuro…’ foi a sua provocação inicial. Hoje somos chamados a olhar para o nosso presente como ponto de partida para pensarmos o futuro. Este 2020 é um ano que nos desarruma. Os economistas usam a metáfora do ‘cisne negro’ que mostra como variantes de baixa probabilidade podem ter um impacto fortíssimo na economia. Outros usam a metáfora da ‘guerra’. O Papa Francisco preferiu falar da ‘tempestade’ que nos colhe a todos no mesmo barco, desmascarando a nossa vulnerabilidade escondida sob falsas seguranças. De facto, recorda o Papa, antes da pandemia o mundo já estava doente.
Esta pandemia liga-nos mais enquanto humanos, pois obriga a comunidade a levantar os olhos mais longe para ver mais fundo, desafiando a uma maior qualidade da informação: temos que reflectir mais sobre a vida e o sentido das coisas. Hoje, a luta maior é pelo primado da vida, da sobrevivência, aceitando até constrangimentos e sacrifícios.
Abriram-se espaços imprevistos de fraternidade, de entreajuda. Mudou-se o perfil dos heróis: não são agora as estrelas do sistema, mas o pessoal de saúde, bombeiros, trabalhadores de ofícios fundamentais, forças de ordem…
O cardeal Tolentino defende que este momento é uma enorme oportunidade de procurarmos a resposta à pergunta: ‘o que é isto que nos aconteceu?’. Está convicto de que a pandemia faz nascer um novo estádio de consciência e empenho social e humano, pois o futuro chegou e estamos colocados perante desafios concretos que o vírus pôs a descoberto.
Se a Encíclica ‘Laudato Si’ traz algo de muito novo é esta convicção de que tudo está interligado e não podemos olhar mais para os humanos de um lado e a natureza do outro. Os problemas e o destino da natureza e dos humanos não podem ser separados. Há uma conversão ecológica a realizar. Há um pacto ecológico a implementar.
Há dogmas que a pandemia está a destruir: o mundo não pode parar, estamos todos superprotegidos, tudo tem de ser visto pelo prisma do utilitarismo? Pois, a covid 19 derrotou estes dogmas e abriu novas portas a um futuro mais solidário, mais gratuito, mais assente na força da comunidade, em corresponsabilidade. Assim, para além do pacto ecológico, temos que ainda reescrever um pacto comunitário e um pacto intergeracional, pois os idosos e os jovens sem oportunidades de trabalho estão na lista dos descartáveis deste mundo, não tendo vez nem voz.
Finalmente – e porque se trata das Jornadas da Comunicação Social – há que implementar um novo pacto comunicacional, apostando numa comunicação verdadeiramente humana, dando voz a novos actores, não deixando que o futebol, a política das agendas e o social espectáculo encha os tempos nobres dos nossos media.
A fraternidade tem de marcar a agenda do mundo e da Igreja. É urgente aprofundar este horizonte da fraternidade como um horizonte para o mundo hoje que não pode viver mais um tempo do ‘ai, ai, do medo e da paralisia’, mas deve tomar iniciativas.
Conclui D. Tolentino que ‘a grande pergunta é: está aí alguém?’. O mundo está cheio de fome de presenças autênticas.