Tony Neves, em Roma
Há tradições que resistem ao tempo porque têm profundidade e marcam a história. A ‘Peregrinação das Sete Igrejas’ (‘Giro delle Sette Chiese), em Roma, é uma delas. Este ano do Jubileu da Esperança, peregrinei com mais dez pessoas, originárias de nove países e três continentes! A história atira-nos para o longínquo 1553, quando S. Filipe de Néri convenceu as famílias ricas de Roma a deixar os seus empregados domésticos fazer dois dias de peregrinação pelos campos, a fim de se prepararem para a Páscoa. Sem liberdade nem dinheiro, obrigados a trabalhar dia e noite naqueles ares poluídos da cidade, os trabalhadores romanos ganharam estes dois dias de ‘espiritualidade, férias e liberdade’, peregrinando às Sete Igrejas de Roma, todas eles situadas fora da cidade, no meio dos campos. Foi uma iniciativa social e ecológica, além de profundamente religiosa. Tão importante e simbólica que resistiu até aos dias de hoje.
Voltemos às Sete Igrejas. Começamos na Praça de S. Pedro, a olhar para a Basílica e a rezar pelo Papa Francisco que estava hospitalizado com prognóstico reservado. Fomos até à Ilha de Roma, chamada Tiberina, para rezarmos e nos inspirarmos, na Igreja de S. Bartolomeu, com mártires dos nossos tempos. Seguimos para S. Paulo Fora de Muros, onde pudemos rezar diante dos rostos de todos os Papas da história da Igreja, evocando o maior missionário de sempre, Paulo. Já com algumas queixas por parte dos músculos, prosseguimos até à Basílica de S. Sebastião, ali junto à Via Appia, onde estão as catacumbas mais famosas: Santa Domitila, S. Sebastião e S. Calisto. Passamos pela famosa Capela do ‘Quo Vadis?’, que evoca o momento em que Pedro pergunta a Cristo ‘onde vais?’. Depois de ouvir a resposta, ‘vou a Roma substituir-te, porque tu estás a fugir!’, Pedro fez marcha-atrás, regressando à cidade, onde seria martirizado. A etapa seguinte levou-nos à Basílica de S. João de Latrão, sede da Diocese de Roma, dedicada aos santos João Baptista e João Evangelista. A caminhada mais curta foi até à Basílica da Santa Cruz de Jerusalém, onde está exposta a madeira que sobra da Cruz de Cristo, segundo lenda antiga. Com a Peregrinação a apontar para o fim, passamos diante da porta do grande cemitério de Roma (Campo Verano) e, logo a seguir, rezamos na Basílica de S. Lourenço. Em Dia Mundial da Mulher, a última etapa, fez-nos passar junto à grande Estação de Termini, com chegada ao destino final, a Basílica de S. Maria Maior, onde rezamos em frente da grande estátua de Santa Maria, confiando-nos à proteção da Mãe.
Esta está a ser uma Quaresma muito especial, por duas razões: vivemos intensamente o Jubileu da Esperança; acompanhamos a grave doença que atingiu duramente o Papa Francisco. Dele, destaco dois textos que preparou antes de se declarar, com gravidade, a doença que o levou ao Hospital Gemelli. Começo pela Mensagem para a Quaresma, com o sugestivo título ‘Caminhemos juntos na Esperança’. Diz: ‘seria um bom exercício quaresmal confrontar-nos com a realidade concreta de algum migrante ou peregrino e deixar que ela nos interpele, a fim de descobrir o que Deus pede de nós para sermos melhores viajantes rumo à Casa do Pai. Esse é um bom ‘exame’ para o viandante’. Mais à frente, lança uma pergunta desafiante: ‘Vivo concretamente a esperança que me ajuda a ler os acontecimentos da história e me impele a um compromisso com a justiça, a fraternidade, o cuidado da casa comum, garantindo que ninguém seja deixado para trás?’.
A Homilia que preparou para a 4ª feira de Cinzas é inspiradora: ‘aprendamos, por meio da esmola, a sair de nós mesmos para partilhar as necessidades uns dos outros e alimentar a esperança de um mundo mais justo; aprendamos, por meio da oração, a descobrir-nos necessitados de Deus ou, como dizia Jacques Maritain, “mendigos do céu”, para alimentar a esperança de que, nas nossas fragilidades e no fim da nossa peregrinação terrena, nos espera um Pai de braços abertos; aprendamos, por meio do jejum, que não vivemos apenas para satisfazer necessidades, mas que temos fome de amor e de verdade, e só o amor de Deus e de uns pelos outros pode verdadeiramente saciar-nos e dar-nos esperança num futuro melhor’.
Ainda em tempo de Quaresma, o Papa enviou uma mensagem à Igreja católica do Brasil, motivando para a vivência da Campanha da Fraternidade. Louvou a atualidade e oportunidade da escolha do tema: ‘aborda outra vez a temática ambiental, com o objetivo de ‘promover, em espírito quaresmal e em tempos de urgente crise socio-ambiental, um processo de conversão integral, ouvindo o grito dos pobres e da Terra’.
Com toda esta inspiração, a Quaresma está a ajudar-nos a preparar mais e melhor uma Páscoa com Vida, Justiça, Paz e Ecologia integral.
Tony Neves, em Roma
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