Tony Neves, em Orvieto
Plantada no pico de uma colina rochosa, de origem vulcânica, Orvieto é uma cidade monumental. A Catedral é imponente, construída com uma conjugação de pedras pretas e brancas que faz dela uma Igreja às riscas. Dentro, ficamos fascinados com a dimensão, mas sobretudo com a beleza das pinturas e esculturas que a preenchem. Aliás, esta pequena cidade tem muitos palácios, Igrejas e outros espaços arqueológicos como a Torre del Moro ou o Poço de S. Patrício. E transpira história por todas as pedras, quer as que se vêm na construção desta antiquíssima povoação, quer nas que pudemos visitar nos incríveis subterrâneos, alguns cavados muitos séculos antes de Cristo. Sim, a história de Orvieto é muito anterior ao império romano.
Para nos ajudar a desvendar alguns segredos de uma história tão longa como rica, tivemos direito a visita guiada aos subterrâneos de Orvieto. Nem todos os visitantes aceitam entrar ali, pois este lugar arqueológico é impróprio para claustrofóbicos… Mas quem penetrou nesta ‘cidade industrial’ cavada debaixo das casas, não ficou desiludido com o que pôde ver e ouvir da boca da guia que explicou um por um, os espaços destas catacumbas… Os povos Etruscos decidiram construir a sua povoação no alto daquela colina no séc. VII a.C para fugir da malária que assolava os vales. Escaparam da malária, mas iam morrendo de sede, pois não havia água naquele lugar alto. Então começaram a cavar debaixo das casas e, ainda hoje, se podem ver alguns desses poços profundos. Resistiram o mais que puderam ao cerco das tropas romanas, sendo a última cidade da região a ser conquistada. A população teve de ser render por causa da fome e as tropas imperiais entraram e arrasaram completamente a cidade. Só quando o império romano se desfez, em 476, após a tomada de Roma, a cidade de Orvieto voltou a ser habitada. Como não havia espaços para atividades laborais, o povo escavou novamente debaixo da povoação e construiu uma verdadeira ‘zona industrial’ nos subterrâneos que agora fazem as delícias dos visitantes, como nós. É impressionante ver como se desenvolvia a indústria do azeite ou da criação de pombos para carne. Construíram um poço de água com 45 metros de profundidade, apenas para usar em tempos de guerra…
Orvieto depressa se tornou uma cidade-refúgio para os Papas, em tempos conturbados. E atribui-se à cidade a proclamação da Solenidade do ‘Corpus Christi’, ou seja, a Festa do Corpo de Deus. Ela aparece no calendário litúrgico por causa de uma ‘milagre eucarístico’. Há histórias que tomam conta do imaginário de um povo ou de uma instituição. São, por isso, simbolicamente importantes. Em 1263, durante uma Missa em Bolsena, o padre e o povo viram gotas de sangue a cair do ‘corporal’, aquela pequena peça de pano que, em cima do altar, acolhe partículas de hóstias ou gotas do vinho do cálice. Intuíram que se tratava de uma visão do ‘sangue de Cristo’ presente no vinho consagrado na Eucaristia. Perante tal ‘milagre’, o Papa Urbano IV, que vivia em Orvieto, mandou que esta ‘relíquia eucarística’ fosse trazida em Procissão para Orvieto. Ele recebeu-a à porta da cidade e terá dito: ‘Corpus Christi’! Assim, esta se transformou na Primeira Procissão do Corpo de Deus, uma Solenidade que o próprio Urbano IV iria colocar no calendário cristão a 8 de agosto de 1264, uma festa a celebrar sempre na quinta-feira após a oitava do Pentecostes! Este ‘corporal-relíquia’ está na Capela do Santíssimo da Catedral, sendo exposto em datas simbólicas. Pude vê-lo e rezar diante dele, pois está patente aos olhares dos fiéis desde a Páscoa ao Pentecostes.
A Catedral de Orvieto foi mandada construir pelo Papa Urbano IV com o objetivo de receber esta relíquia, o ‘Corporal de Bolsena’, como também é conhecido. A 1ª pedra foi benzida a 13 de novembro de 1290 e as obras duraram três séculos, evoluindo do românico para o gótico.
Orvieto – aquando da minha visita – estava cheia de turistas, muitos deles crianças e jovens. Para a história fica outro dado relevante: durante a 2ª guerra mundial, em 1943 e 1944, as tropas alemãs tomaram a região e havia risco de bombardeamentos aéreos dos americanos. O Bispo, com grande sentido diplomático, mobilizou influências para evitar a catástrofe e Orvieto foi reconhecida como ‘cidade aberta’, sem combates… E assim se pouparam as pessoas e os edifícios.
Na Úmbria italiana, só duas cidades foram respeitadas como cidades abertas: Assis e Orvieto! Mais um milagre a registar na história desta terra que tive a alegria de visitar!
Tony Neves, em Orvieto