Tony Neves, nas periferias de Assunção, Paraguai.
Deus chamou-o no último dia de 2022. Prestei-lhe a minha homenagem através das redes sociais, como quase toda a gente hoje o faz. Mas quis deixar passar o tempo de óbito – como se diz em África – e o funeral para evocar, mais a frio, a vida e a missão deste Papa dos finais do século XX.
‘Lucidez e coragem de Bento XVI’ foi o título do editorial que escrevi no jornal ‘Ação Missionária’ de Março de 2012, como reação imediata ao seu pedido de resignação. Foi uma publicação ‘a quente’, sem saber muito bem o rumo que a Igreja ia seguir a partir deste momento tão histórico, uma vez que não havia registo de tal opção nos últimos 600 anos da Igreja católica! Confesso que, dez anos depois, me sentiria encorajado a escrever quase o mesmo. Vejamos:
‘Bento XVI pôs a Cúria Romana à beira de um ataque de nervos com a publicação da decisão de resignar a 28 de fevereiro. A notícia fez manchete em todos os meios de comunicação social do mundo inteiro, o que não é de estranhar pois todos Papa dos últimos séculos tinham feito uma aliança com a Cadeira de Pedro até que a morte os separasse.
Na Comunicação Social, o espanto e a aprovação uniram-se. Não esperava que assim fosse, pois muitas pessoas defenderam com unhas e dentes, há oito anos, a opção de João Paulo II arrastar a sua Missão Papal até à morte, mostrando ao mundo uma imagem de decrepitude física, para muitos confrangedora. Mas a verdade é que praticamente toda a gente (excetuando alguns populares colhidos na rua de surpresa) classificou a decisão de Bento XVI como corajosa, lúcida e humilde.
Bento XVI surpreendeu-me, devo confessar. Sempre olhei para ele como um homem muito inteligente, organizado, disciplinador, teólogo, pastor…mas nunca me passou pela cabeça que fosse contrariar a opção final de J. Paulo II, que fez dele o responsável pela Doutrina da Fé e criou as condições para que se tornasse o seu sucessor. Mas, passado o choque inicial da notícia, estou agora a convencer-me de que foi mesmo o facto de Bento XVI ter acompanhado os últimos anos de um Papa que não tinha ‘vigor’ para governar que levou Joseph Ratzinger a protagonizar o momento histórico de uma resignação Papal.
Bento XVI fez algumas apostas pastorais que precisam de ser aprofundadas: a relação com o mundo da Cultura; o Ecumenismo e diálogo inter-Religioso; a Nova Evangelização; a celebração dos 50 anos do Concílio Vaticano II (com o Ano da Fé); a chamada da atenção para a importância das novas tecnologias da Comunicação (incluindo o twitter)’.
Mas nem tudo o que escrevi se cumpriu – devo confessar humildemente: ‘Não alinho em ‘totopapas’, mas partilho a ideia de que os tempos que correm exigem força e continuidade. Por isso, também apoio a opinião de quem prefere um Papa jovem, aberto, dinâmico’.
Alegro-me, contudo, no que disse a seguir: ‘Como missionário, gostaria de ver mais evidente a dimensão universal da Igreja e ficaria feliz com um Papa não europeu…Mas, fique claro, não entrarei em depressão se a escolha dos cardeais recair sobre um Papa europeu, pois temos cardeais de grande classe.
E depois de Bento XVI? Pode vir um João XXIV, um Paulo VII, um João Paulo III, um Bento XVII, um Pio XIII…é-me indiferente o nome. Mas um empenho reforçado na Missão, no Diálogo, nas questões de Justiça e Paz, na Comunicação Social, no aprofundamento da Fé…será decisivo para a Missão da Igreja no mundo contemporâneo’.
O mundo inteiro (ou quase) se vergou perante esta grande figura da cultura. Os perfis de uma pessoa nunca garantem a unanimidade dos pareceres e opiniões publicadas, mas considero que o Papa Bento XVI foi a pessoa que o Espírito Santo achou ajustada àqueles tempos pós-João Paulo II, pois permitiu abrir as portas de par em par à chegada do ‘missionário’ Papa Francisco, vindo das terras do fim do mundo – como ele se apresentou, de forma divertida, mas muito séria!
Muita tinta ainda vai correr a propósito do papado de Bento XVI e começam a correr as apostas sobre a sucessão do Papa Francisco, quer ele opte por pedir a sua resignação ou siga na cadeira de S. Pedro até que Deus o chame.
Ontem como hoje, não entro em pânico com nenhum cenário, porque acredito que, na hora da verdade, quando houver um conclave, o Espírito Santo lá estará para ajudar à escolha. Agora é tempo de manter acesa a chama da esperança, pois o Papa Francisco está a liderar uma caminhada sinodal que nos ajudará a perceber o que o Espírito nos pede hoje. Temos de abrir a inteligência e os corações aos tempos novos que se desenham já na linha do horizonte.