Tony Neves
O Papa Francisco foi ao Canadá. A importância desta viagem apostólica pode medir-se pela dificuldade e risco, dado que o Papa teve de andar sempre em cadeira de rodas e arriscou pôr em causa toda a recuperação do joelho.
Mas ele tinha uma razão profunda: o pedido de desculpas às populações indígenas pelos maus tratos sofridos em muitos espaços, incluindo em internatos dirigidos pela Igreja. Esta foi uma viagem de humildade, com o reconhecimento de atitudes negativas do passado para que se possa construir um futuro mais digno para os descendentes dos povos que viviam no Canadá quando os europeus lá chegaram…
O primeiro grande encontro foi com as populações indígenas das First Nations, dos Métis e dos Inuit. Disse o Papa: ‘Quero iniciar daqui, deste lugar tristemente evocativo, o que tenho em mente fazer: uma peregrinação, uma peregrinação penitencial. Chego às vossas terras nativas para vos exprimir, pessoalmente, o meu pesar, implorar de Deus perdão, cura e reconciliação, manifestar-vos a minha proximidade, rezar convosco e por vós’. Pediu desculpa, porque ‘ o lugar, onde agora nos encontramos, faz repercutir em mim um grito de dor, um brado sufocado que me acompanhou nestes meses. Repasso o drama sofrido por muitos de vós, pelas vossas famílias, pelas vossas comunidades; repasso o que partilhastes comigo sobre as tribulações sofridas nas escolas residenciais’. Terminou com um voto: ‘ Rezo e espero que os cristãos e a sociedade desta terra cresçam na capacidade de acolher e respeitar a identidade e a experiência das populações indígenas. Faço votos de que se encontrem vias concretas para as conhecer e apreciar, aprendendo a caminhar todos juntos. Da minha parte, continuarei a encorajar o empenho de todos os católicos em favor dos povos indígenas’.
Um dos momentos mais simbólicos foi a participação na Peregrinação ao Lago de Sant’Ana, a 26 de Julho, muito participada por povos indígenas. Disse:’, Como é bom encontrar-me aqui, peregrino convosco e no meio de vós. Nestes dias, sobretudo hoje, fiquei impressionado com o som dos tambores que me acompanharam por onde tenho andado. Neste batimento dos tambores, parecia ecoar o palpitar de muitos corações: os corações que, ao longo dos séculos, vibraram junto destas águas; os corações de tantos peregrinos que concordaram juntos o passo para chegar a este «lago de Deus». Quantos corações chegaram aqui ansiosos, sobrecarregados pelo peso da vida, e junto destas águas encontraram a consolação e a força para continuar! Também aqui, imerso na criação, há outro batimento que podemos escutar: a palpitação materna da terra. E assim como o batimento dos bebés, ainda no seio materno, está em harmonia com o das mães, assim para crescer como seres humanos precisamos de cadenciar os ritmos da existência com os da criação que nos dá vida. Portanto voltemos hoje às nossas fontes de vida: a Deus, aos pais e, neste dia e na casa de Santa Ana, aos avós, que saúdo com grande afecto’.
Concluiu: ‘Sim, Senhor, confiamo-nos à intercessão da vossa Mãe e da vossa avó, porque as mães e as avós ajudam a sarar as feridas do coração. Durante os dramas da conquista, foi Nossa Senhora de Guadalupe que transmitiu a recta fé aos indígenas, falando a sua língua, vestindo os seus trajes, sem violências nem imposições. E pouco depois, com a chegada da imprensa, foram publicadas as primeiras gramáticas e os primeiros catecismos nas línguas indígenas. Quanto bem fizeram os missionários, autenticamente evangelizadores, nesta linha a fim de preservar as línguas e culturas autóctones em tantas partes do mundo! No Canadá, esta «inculturação materna» deu-se por obra de Santa Ana, unindo a beleza das tradições indígenas e a da fé e plasmando-as com a sabedoria duma avó, que é mãe duas vezes’.
A visita do Papa terminou no Québec, num encontro como povos indígenas. Disse: ‘já próximo da conclusão desta intensa peregrinação, quero dizer-vos que volto para casa muito mais enriquecido, porque levo no coração o tesouro incomparável feito de pessoas e populações que me marcaram; tesouro de rostos, sorrisos e palavras que permanecem no meu íntimo; de histórias e lugares que não poderei esquecer; de sons, cores e emoções que vibram intensamente dentro de mim. Verdadeiramente posso afirmar que, enquanto vos visitava, as vossas realidades, as realidades indígenas desta terra, visitaram o meu íntimo: entraram em mim e sempre me acompanharão’.