Tony Neves, em Bangui – RCA
Bangui assusta ao chegar, mas abraça ao partir. O aeroporto ainda obriga a imaginar os tempos duros da guerra civil: velho, abandonado, tórrido, em obras de recuperação que ninguém sabe quando vão terminar. Mas – dizia-me um ancião – que no tempo da guerra, o aeroporto acolheu refugiados e, quando aterrava um avião, viam-se barracas em todo o lado, pessoas na pista, militares a controlar tudo e todos. Agora, os tempos são mais calmos, o país tenta reinventar-se, mas o progresso continua muito estagnado, com alguma agitação de tempos a tempos provocada por campanhas eleitorais, como a que iniciou dia 14 de dezembro, a seguir à minha chegada. Continua a ser verdade que nenhuma operadora aérea internacional aceita aterrar de noite em Bangui, nem permite que algum avião ali ‘durma’.
Causa-me sempre um grande impacto a primeira viagem a um país nunca dantes visitado, que é a que me leva do aeroporto à Casa Principal dos Espiritanos. Bangui não foi exceção, com o atravessar uma cidade cheia de motos e povo, comércio em todos os passeios, com muitos jovens e crianças na rua, pois era a hora de sair da escola e regressar a casa.
‘Este país é rico demais para que nos deixem em paz!’ – ouvi isto da boca de muitas pessoas, pois é convicção partilhada que os diamantes e o ouro são riqueza para uns quantos e são de sangue e lágrimas para a maioria da população, obrigada a sobreviver muito abaixo de um nível de vida humanamente aceitável.
Os Espiritanos chegaram a estas terras em 1894 e nunca mais daqui saíram. Hoje continuam a viver e trabalhar em boa parte das Dioceses (em cinco de nove) com compromissos nas áreas da pastoral direta, da educação, saúde, desenvolvimento e compromissos sociais. Dos 23 Espiritanos centro africanos, apenas dez trabalham na RCA. Os restantes 13 dividem-se pelo Gabão, França, Guiné-Bissau, Congo-Brazzaville, Camarões e Seicheles. 15 Espiritanos de outros países, vivem e trabalham neste país que é coração do continente. Todas as Comunidades Espiritanas são internacionais. Há 16 jovens em formação.
Passear a pé ou passar de carro pelo centro da cidade e alguns bairros periféricos deu para transpirar a sério e fazer o exercício físico que convém à saúde, mas também palpar o ritmo e as condições de vida das populações. Há um contraste evidente e gritante entre os bairros mais ricos e as periferias muito pobres. Nas ruas, assustam as motas e os carros que tentam contornar buracos, pessoas ou outras viaturas, com acidentes e atropelamentos a ser o pão nosso de cada dia. Mas faço sempre um exercício muito interessante: ler no rosto das pessoas a sua enorme alegria de viver expressa em sorrisos e saudações efusivas, ou mesmo na simples proposta de qualquer coisa a vender…
Há coincidências que são providenciais e a visita de cortesia às Irmãs Espiritanas foi por ocasião da festa de início de ‘postulantado’ de três jovens. Pude participar na celebração e no jantar que se seguiu, com muita boa disposição, dança, gastronomia local e conversas partilhadas sobre a Missão. Dois dias depois, encontrei a outra comunidade das Espiritanas, em Mbaiki.
‘Bará-alá’ (‘Bom dia’, ‘boa noite’) e ‘singuila mingui’ (‘Muito obrigado’) são em sango, como em todas as línguas do mundo, as expressões mais utilizadas. A estas junto ‘siriri’, a Paz. Decorei-as à custa de as ouvir e repetir tantas vezes, como resultado de muitos encontros e celebrações, sempre recebido de braços abertos por um povo muito acolhedor.
O Natal das comunidades cristãs em Bangui foi uma grande festa. Participei na Missa da Vigília (que nós chamamos do ‘Galo’) na Capela de S. Charles e tive direito a duas missas em dia de Natal: em S. Charles de manhã e em S. Bernard à tarde. Mudou a Igreja, a hora, a assembleia, mas manteve-se a festa, o ritmo, a dança, a alegria pelo nascimento de Cristo.
Mas – como devem imaginar – a minha visita à República Centro Africana não se resumiu a Bangui. Tive a alegria de fazer centenas de kms de estrada para visitar também as Comunidades Espiritanas nas Dioceses de Mbaiki e Bouar. Vi coisas extraordinárias durante as viagens, tive acesso a menus muito originais, encontrei missionários dedicados e um povo muito lutador. Lá iremos.
Continuação de um Natal cheio da Justiça e Paz que o Menino quis trazer.
Tony Neves, em Bangui – RCA

