LUSOFONIAS – Nas periferias de S. Paulo

Tony Neves, nas periferias de S. Paulo

Favela é uma palavra que assusta. Estamos habituamos a lugares comuns, simplificando os termos que ouvimos e utilizamos. Favela costuma rimar sempre com violência, pobreza extrema, insegurança. Mas fique claro que quem lá mora são pessoas. É verdade que sofrem pela pobreza e abandono sociais a que são votadas. Mas, sempre que por lá passo (digo ‘passo’ porque não vivo lá, ao contrário de muitos missionários), fico fascinado com o compromisso social e cristão de muitas das pessoas com quem me cruzo, que visito nas suas casas, celebro a Eucaristia ou troco apenas dois dedos de conversa.

S. Paulo é uma das maiores cidades do mundo. Com todas as periferias e cidades satélites, andará por mais de 20 milhões de habitantes. Como todas as grandes cidades, tem bairros muito ricos e modernos, tem quarteirões de classe média e tem dezenas de bairros muito pobres, alguns deles com o estatuto de área favelada. Enganem-se os que pensam que a pobreza está a diminuir e que as favelas têm os dias contados. Antes pelo contrário. A construção de habitações nos morros ainda disponíveis está a acontecer todos os dias em ritmo acelerado. Visitei algumas dessas áreas e fiquei impressionado com o que vi e ouvi. O esquema repete-se desde há muitos anos. As pessoas que estavam na cidade e ficaram sem habitação, deslocam-se para as periferias e tentam construir um abrigo. O povo do interior que foge para a cidade também é por lá que começa a sua vida, tentando juntar dinheiro e condições para um dia alugar um espaço em S. Paulo.

As favelas são todas diferentes, assim como as pessoas que as constroem e habitam. Há muita gente acumulada em pouco espaço o que, por si só gera enormes problemas. Na maioria dos casos, o governo aceita levar eletricidade e água para a região, mas os problemas sociais e de saúde pública são imensos. A pobreza cria dinâmicas de violência e de adição que tornam estes espaços difíceis, sendo também um desafio para a Igreja.

Desde há muitos anos que a Igreja está nas favelas. Não vai, está lá. Tem espaços que se transformaram em Igrejas e centros sociais onde tudo acontece, desde as celebrações e catequeses até iniciativas nas áreas da saúde, formação profissional e apoio assistencial. São muitas as famílias que recebem a cesta básica, que tem alimentos de primeira necessidade. Há dinâmicas de cidadania que não encontro em muitas outras comunidades cristãs como, por exemplo, construir a sua Igreja ou espaços para a pastoral social. A palavra ‘mutirão’ é repetida no fim de cada Missa e encontro para convocar as pessoas para mais uma etapa da construção da Igreja, da cozinha comunitária ou do salão que será multi-usos. Ou então para compor o caminho que dá a uma bairro e que as chuvas destruíram, ou então para reconstruir algumas das casas que as derrocadas frequentes levaram…

Falei de ideias genéricas, vou agora descer à prática. No sábado estive na grande favela do Jardim Planalto onde os Espiritanos chegaram a animar 11 comunidades e agora animam 4, tal foi o seu crescimento. Estão morar numa casa da favela que já foi seminário inserido neste contexto pobre e periférico. A pandemia veio agravar a já difícil vida das populações ali amontoadas em pouco espaço. As pessoas vivem, na sua maioria, de rendimentos vindos da economia informal que, com a covid, foi muito afectada. Anunciar o Evangelho nestes contextos torna-se desafiante porque é preciso ajudar as pessoas a resolver os seus problemas e não só leva-las à missa e à catequese.

O domingo foi passado com o P. Elson Lopes, jovem Espiritano caboverdiano, pároco da récem criada paróquia de S. Teresa de Calcutá. O nome da padroeira não podia ter sido melhor escolhido. São sete comunidades, cada qual já com a sua capela. Quem lá chega não percebe que está em S. Paulo, pois passa o tempo a subir e descer a pique os morros onde o povo pobre vai construindo as suas habitações. O trabalho do missionário é enorme, mas sempre partilhado com o povo que se reúne e organiza para tornar a comunidade cristã mais comprometida e o bairro mais humano e mais fraterno. Presidi a uma das Eucaristias, com uma participação muito jovem e muito animada. Visitei as diferentes comunidades, morro acima e morro abaixo, e fui almoçar com uma das famílias. É sempre uma experiência de acolhimento extraordinária…

Esta semana é de Assembleia Anual para todos os Espiritanos que pertencem

à Província do Brasil. Lá voltarei…

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