Tony Neves
Eis um título de um livro, tão provocador como o seu ousado conteúdo, posto nas livrarias pela Paulinas Editora. Filomeno Lopes, nascido na Guiné-Bissau e a viver em Itália, publicou esta obra com um Prefácio à edição portuguesa (do Cardeal Tolentino Mendonça), um Prólogo (de Leonardo Boff), um Preâmbulo (de Marcos Carvalho Lopes) e ainda um Posfácio (de Patrícia Godinho Gomes).
Trata-se de uma carta aberta aos jovens de Itália (e do resto do mundo), alertando-os para a realidade do racismo, propondo caminhos de ultrapassagem contra esta frontal violação dos direitos humanos. São onze os pequenos capítulos em que esta obra de reflexão se divide. Vou destacar algumas das frases que marcaram mais a minha leitura: ‘se quereis ser racista, pelo menos tentai sê-lo seriamente, informando-vos adequadamente, mas sobretudo estudando, atentamente, o fenómeno, e ouvindo a voz, o grito das vítimas passadas e presentes deste cancro da história europeia e mundial’ (p.49). É que somos ‘todos corresponsáveis pelas vidas uns dos outros; todos guardiões das nossas vidas na História, mas ninguém é dono ou dona da vida dos outros’ (p.55). Pois, ‘o país em que vivemos é como o Jardim do Éden que somos chamados a guardar e a construir, dando o melhor do nosso carisma e dos nossos talentos’(p.60).
No capítulo ‘Da ‘noite’ do ‘nós outro /as’ à aurora do ‘nós somos juntos’, o autor recorda que, ‘na África, Amadu Hampaté Bá avisa que cada idoso que morre é uma biblioteca que arde’(p.83). E conclui: ‘se, então, seremos capazes de cultivar este ‘nós somos juntos’, se conseguirmos amar-nos como simples seres humanos unidos, seja pela mesma origem, dignidade e destino, seja pela mesma vocação ineludível de conviver com a vida, enquanto estamos na viagem que nos levará para além da morte, e então, diz-nos Roberto Mancini, estaremos salvos’ (p.92).
‘Somos seres humanos para todos os efeitos. Apagai, para sempre, as palavras Negro/a, Preto/a, de cor, do vosso vocabulário e gramática da política saudável e convivência cultural humana. Ou, se decidirem permanecer racistas, pelo menos não sejais racistas amadores’ (p.117).
Ao abordar o tema da Negritude e a sua batalha cultural e política, conclui: ‘não existe nada de patriótico na defesa de um crime contra a humanidade como o racismo. Um patriota ama e luta para fortalecer, no seu país, as mais altas virtudes da dignidade humana, não para traze-las de volta à institucionalização da imbecilidade confundida com o progresso ou com a liberdade’ (p.146).
Filomeno Lopes escreve no último capítulo: ‘o sofrimento alheio, sobretudo o das vítimas do racismo, costuma a ser subestimado em Itália e em muitos outros países da Europa ocidental e oriental. Este já não suscita indignação nem entre cristãos, quase encontra uma espécie de resignação ou, pior ainda, de endurecimento na indiferença globalizada. Eis o que é a mundialização da indiferença, denunciada com rigor e lucidez pelo Papa Francisco’ (p.163).
Patrícia Godinho Gomes, também da Guiné Bissau, diz: ‘Para falar sobre qualquer assunto, é preciso conhecer, ler, estudar e refletir. Não se pode mais ser ‘amadores’ nas questões sérias e fundamentais da vida. E o racismo é um problema fundamental do nosso tempo’ (p.168). Diz mais adiante: ‘O racismo mata, porque desumaniza, torna invisíveis os visíveis, transforma seres humanos em fantasmas e tira qualquer possibilidade de comunicação e de interação’ (p.169).
Leonardo Boff diz que ‘todo o esforço do autor é mostrar aos jovens os grandes valores das culturas africanas, especialmente ao redor do conceito de Ubuntu: ‘eu sou eu através e contigo; eu sou porque nós somos; a vida é sempre com os outros; o ser humano é o remédio do outro ser humano’. É o ser juntos, a comunhão do ‘nós somos’ que funda a ‘comunhão de destino’ ‘ (p.12).
O Cardeal Tolentino Mendonça resume: ‘o caminho que o nosso autor segue é aquele traçado por Mandela, mostrando como o cancro do racismo se infiltrou na sociedade devido aos ‘mestres’ que, consciente ou inconscientemente, ensinaram a odiar. Mas a inversão deste devastador sentimento, tornado cultura da exclusão, é possível e necessário. Filomeno Lopes dirige-se diretamente às crianças e aos jovens de hoje com palavras sentidas, incitando-os a refletir sobre o fenómeno do racismo: ‘o meu objetivo com este texto é fazer com que nenhum de vós possa continuar a dizer ’eu não sabia’’ (p.6).
Tony Neves