LUSOFONIAS – Na Suíça, viagem da fidelidade à ruptura

Tony Neves, na Suíça

Cresci muito nesta visita à Suíça. Já partilhei o que foram os encontros e celebrações com comunidades portuguesas no Valais, sobretudo em Sierre, Martigny Bourg e Zermatt. Foi muito inspirador para mim poder partilhar a Missão a partir de textos fundamentais (sobretudo do papa Francisco), de pessoas concretas (missionários e missionárias, hoje espalhados pelo mundo, Bispos, Padres, Religiosas e Leigos/as) e de geografias. Pude mostrar e ilustrar algumas opções missionárias da Igreja em países como Angola, Moçambique, Cabo Verde, Brasil, Bolívia e Paraguai. Mas esta visita teve outros condimentos que me alimentaram a fé e a fraternidade.

O essencial do que quero partilhar sintetiza-se na segunda feira 31 de outubro. Copiando para este texto a página do meu diário, acho que fica tudo mais ou menos dito. Saí de Sierre com o P. Vilas Boas e fomos até uma paróquia onde se fala alemão para a celebração do baptismo de uma criança portuguesa. Foi longo este momento, transformado num espaço de catequese e de partilha fraterna entre uma família que vive na Suíça alemã, mas quer que as crianças sejam baptizadas em contexto português. Esta é, talvez, uma das imagens de marca da experiência religiosa e social de muitos imigrantes por esse mundo além.

Atravessamos boa parte do vale do Valais, em passo de corrida, pois os Padres Aloísio Araújo (vindo de Luzerna) e João Luís Sampaio (a trabalhar em Lausanne) nos esperavam num restaurante desta cidade que tem muitas histórias para contar. O almoço foi um excelente pretexto para partilharmos a missão a que vamos dando corpo, todos fora de Portugal. Pude compreender melhor os desafios a que as comunidades católicas portuguesas vão respondendo, uma vez que aumenta a pressão sobre elas para que se integrem nas paróquias suíças. Como o tempo é sempre curto quando a amizade é profunda e a vida é cheia de boas coisas para contar, tivemos que andar depressa e rumar à Catedral que se torna livro aberto de uma história longa e sofrida. Lá de cima, a cidade fica aos nossos pés e, ao fundo, o belo Lago Leman enche os olhos de uma beleza única. Entrando na Catedral –de visita cultural obrigatória – percebemos melhor a história que deu um grande salto após a Reforma Protestante quando, após a ‘Disputa de Lausanne’ presidida por Calvino, de 1 a 8 de outubro de 1527, as missas foram proibidas, as estátuas dos santos e vitrais foram retirados, e o edifício se tornou coração da Igreja ali nascida da Reforma. Mas também lá está dito que, tantos séculos mais tarde, a Catedral acolhe hoje celebrações ecuménicas, o que traduz bem as boas relações agora existentes entre as diversas confissões cristãs na Suíça.

Terminada a visita, iniciei o caminho de regresso a Sierre com o P. Vila Boas, optando pela estrada marginal do Lago Leman, com as vinhas de folhas coloridas a trepar a montanha e a beleza do lago a encher de azul os olhos. A primeira p   aragem foi em Rivaz, só para nos encantarmos com a paisagem e apanharmos o ar fresco do Lago. Depois, seguimos até Vevey, lá onde a Nestlé tem a sua grande sede e a comunidade portuguesa é numerosa e influente. Nesta cidade viveu e morreu Charlie Chaplin em 1977. Passamos por Montreux, mas corremos até Saint Maurice, onde chegamos já o sol ameaçava pôr-se.

A Abadia de Saint Maurice é um monumento à fidelidade a toda a prova. Foi fundada em 515 por S. Sigismundo, no local onde, por volta de 287, Maurice e outros soldados cristãos foram martirizados, por ordem do imperador Maximiano, por se terem negado a adorar deuses pagãos. Esta Abadia, onde pude rezar com os actuais monges, é a mais antiga do Ocidente, pois há mais de 1500 anos que tem ali monges residentes. É um pulmão espiritual e, por isso, a Festa anual a St. Maurice, continua a reunir milhares de pessoas e a Abadia tem visitas diárias e peregrinações vindas do mundo inteiro. Era noite quando saí da Capela da Abadia e, com o P. Vilas Boas, fizemos um percurso curto, desde este lugar simbólico de extrema e radical fidelidade para Econe, lá onde Monsenhor Lefebre consumou uma das rupturas mais recentes na Igreja. Chegamos à sede da Fraternidade S. Pio X e encontramos um grande cartaz que conta a história: o Bispo Marcel Lefebre instalou-se ali e fundou esta Fraternidade a 1 de novembro de 1970, para combater as derivas do Concílio Vaticano II. O cisma com Roma aconteceria em 1988, quando este Bispo  (ex Arcebispo de Dakar e ex-Superior Geral dos Espiritanos) ordenou outros Bispos. Fui rezar junto ao seu túmulo.

Era noite escura, visitamos a histórica e bela cidade de Sion e fizemos dezenas de kms para ir até Taesh, nas franjas da bela Zermatt, para o jantar de aniversário de um membro activo da comunidade portuguesa local. Este último momento por terras suíças mostrou-me a cumplicidade entre os padres e o povo português por terras helvéticas, numa pastoral de proximidade que mostra como a Igreja é uma família sem fronteiras.

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