Missões: Crescer no regime comunista na Polónia e ser padre em Angola – o percurso do missionário verbita Andrzej Fecko

Medalha de mérito missionário da Conferência Episcopal da Polónia reconheceu 32 anos de trabalho em Angola, construção social e pastoral, concretizando o sonho de missão – «Estar junto do povo»

Foto: Agência ECCLESIA/MC

Lisboa, 07 dez 2022 (Ecclesia) – O padre Andrzej Fecko, verbita, que esteve 32 anos em Angola, e que recebeu a medalha de mérito missionário da Conferência Episcopal da Polónia, diz que o trabalho das missões necessita ser valorizado.

“Na Igreja não podemos esquecer a evangelização. O nosso principal trabalho não é construir, mas evangelizar. Fizemos muito com os catequistas; formamos muitos que trabalham e ficam a acompanhar as suas comunidades. Nestas distâncias não há padre mas há catequistas formados para acompanhar. O padre é um só: já passou esta ideia de que o padre é que sabe e manda. Não. Não gosto dessa ideia. Vamos construir juntos”, explica numa entrevista à Agência ECCLESIA.

O padre Andrzej nasceu na Polónia durante o regime comunista e explica ter crescido num “dualismo”, entre a família “cristã e a vida social ligada à Igreja” e, por outro lado, a escola, onde recebeu uma educação socialista, mas a consciência das duas realidades só se evidenciou mais tarde.

Eu estava próximo do marxismo-leninismo, e por isso fui trabalhar. Não queria ser um intelectual, queria ser um trabalhador, qual como a ideologia nos dizia. Mais tarde tive consciência que viva entre duas realidades. No dia-a-dia, sentíamos que nos devíamos libertar do regime, colocado por Moscovo, e sentimos, mesmo na rua, que havia muitos militares soviéticos. Sentíamos opressão porque fomos obrigados a aprender russo. Queríamos ser livres, mas vivíamos na ideologia que entrava na nossa vida e mente”.

Já a estudar no Seminário, o padre Andrzej dá conta de “espiões” dentro da instituição.

“Tínhamos de ter muita cautela. Obtiveram informações sobre o nosso comportamento e vários de nós foram chamados à Polícia Secreta para ser interrogados. A situação era muito delicada na altura. Sentíamos que aquele sistema comunista era um sistema de engano do povo, e queríamos a verdade que podíamos encontrar na Igreja”, recorda.

A possibilidade de ser padre foi inesperada na sua vida, apesar de ainda em criança pensar nas missões como uma atração, tendo chegado a escrever uma carta a um missionário no Japão; ordenado missionário na congregação do Verbo Divino, deixa-se entusiasmar por um colega que chega de Angola e o desafio a ser missionário em terras africanas.

O padre Andrzej Fecko chegou a Angola em 1981 e explica que encontrou uma “Luanda abandonada, um pouco triste mas um povo feliz”.

“O povo relembrava os anos ainda recentes da independência, mas nada funcionava: nem lojas, bares ou restaurantes. Fiquei algum tempo em Luanda e segui para a diocese Saurimo, no leste de Angola, e lá comecei a trabalhar numa equipa internacional, onde estava um padre português, outro filipino”, recorda.

Num território com 300 quilómetros, onde os primeiros trabalhos eram “de primeira evangelização”, o missionário recorda que realizou aquilo que procurou ser quando decidiu ser padre: “Estar no meio do povo”.

“Poderíamos considerar aquela região como primeira evangelização. Encontramos uma fé bem forte. Admirava os catequistas, cristãos, que viviam a sua fé não olhando às dificuldades. As pessoas andavam dezenas de quilómetros a pé para participar nos encontros e na eucaristia, que se celebrava duas ou três vezes por ano”, recorda.

No primeiro ano em Angola, a guerra não chegou aos locais por onde andou, mas foi-se aproximando com “ataques e minas”.

Lembro-me de participar num funeral com mais de 10 caixões de pessoas que morreram num ataque, com a mina a cair dentro de um camião. Não conseguimos fazer as orações porque os militares começaram a disparar e nós ficamos deitados no chão. Foram momentos fortes”.

Em Quifangondo, mais perto de Luanda, onde o padre Andrzej permaneceu mais tempo, foi possível apostar em escolas, construir um centro de saúde e ter uma equipa que se encarregasse dos trabalhos, libertando o missionário para trabalhar na leprosaria.

“Trabalhei a fazer os curativos, precisava disto. São doentes especiais que não têm capacidade de se mover, alguns sem pernas, cortados por causa do avanço da lepra. Trabalhamos numa casa que até dava medo de trabalhar lá. Surgiu uma oportunidade de contactar com a Cáritas de França e recebemos financiamento para desenvolver um local apropriado”, recorda.

Mas a medalha de mérito missionário, assume o padre Andrzej, deve-se à Clinica de São Lucas, um local que hoje atende mais de 25 mil pessoas por ano, mas que começou “um quarto onde estavam 70 pessoas, juntas, a transpirar, nestas condições”.

O padre Andrzej regressou a Portugal em 2013 e atualmente é pároco no Prior Velho, nos arredores de Lisboa, onde procura “ainda” inserir-se na cultura europeia.

“Ainda não aceitei 100% viver na estrutura europeia. Há muita coisa que não é necessária. Temos relógios e telemóveis que atrapalham. Está tudo marcado pelo tempo mas estamos a perder tempo procurando o tempo”, lamenta.

A conversa com o missionário verbita Andrzej Fecko pode ser acompanhada esta madrugada, depois da meia-noite, no programa Ecclesia na Antena 1 da rádio pública, ficando disponível no portal de informação e no podcast «Alarga a tua tenda».

LS

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