LUSOFONIAS – Missão no Alto Juruá

Tony Neves, em Cruzeiro do Sul – Amazónia

Cheguei, às portas do Natal, ao Cruzeiro do Sul, neste Acre Amazonense que confina com o Peru e a Bolívia. O P. Herbert Douteil ajudou-me a entrar na história desta terra e deste povo, explicando-me que o P. Donnadieu foi o primeiro missionário Espiritano a instalar-se no Cruzeiro do Sul, em 1917. Já antes, em 1885, tinham chegado Espiritanos a terras amazónicas, mas a Belém do Pará, a milhares de kms dali. Em 1911 e 1913, o P. Tastevin visitou o Cruzeiro do Sul, e é sabido que o próprio P. Donnadieu passou por ali em 1914, mas só se instalaria definitivamente em 1917. É esta a data que conta…

Estava-se em plena 1ª Grande Guerra Mundial e o território que os Espiritanos abraçavam ali, depois de ser tão difícil chegar, tinha 140 mil kms2 e mais de 10 mil kms de rios e igarapés. Nesta área imensa estavam espalhadas muitas comunidades de povos índios e uns 20 mil seringueiros, homens que ali tinham chegado para o negócio da extração da borracha. Viviam com as suas numerosas famílias, eram visitados pelos missionários na medida do possível. A catequese nestes contextos, como facilmente podemos imaginar, estava longe de ser aprofundada, pelo que o cristianismo vivido era muito superficial, cruzado com um sem fim de convicções tradicionais populares, transmitidas de geração em geração.

Os Espiritanos Alemães, após o Capitulo Geral da Congregação em 1919, tomaram muito a peito a evangelização desta Amazónia interior. Como resultado, o Papa erigiu a Prelazia do Alto Juruá, com sede em Cruzeiro do Sul, nomeando Monsenhor Barrat como seu Administrador Apostólico. Isto aconteceria em 1931. Diversos Padres e Irmãos Espiritanos alemães chegariam às terras do Alto Juruá nos anos seguintes, havendo uma grande interrupção entre 1939 e 1945, datas da 2ª Grande Guerra Mundial. O fim da Guerra seria ali marcado pelo acontecimento excecional da Ordenação de três Espiritanos Brasileiros.

Sucederam-se os Bispos Responsáveis da Prelazia, bem como os Missionários que os apoiavam, sempre com a Alemanha a marcar pontos no envio de Missionários. O trabalho foi meritório e reconhecido, não só no compromisso pastoral, mas também na pastoral social e no apoio ao desenvolvimento, com a criação de Escolas, oficinas, postos de saúde, construção naval, olaria, carpintaria, mecânica, etc. Também, houve investimento na construção de casas para famílias pobres e necessitadas de um lar onde pudessem viver com dignidade.

1966 marca a data da sagração do P. Henrique Ruth como Bispo. Ele foi um trabalhador incansável na finalização da construção da Catedral, do orfanato, dos Seminários Maior e Menor, do Centro de Formação dos Leigos, da Rádio Verdes Florestas, bem como no apoio às Congregações Religiosas e Paróquias que necessitavam de construir residências, Igrejas e Capelas.
A Prelazia do Alto Juruá seria transformada pelo Papa João Paulo II em Diocese de Cruzeiro do Sul. Dom Henrique foi o 1º Bispo, D. Luís o segundo e D. Mosé Pontelo, em 2001, assumiria a liderança da Diocese até 2018, sendo o último Espiritano Bispo desta região onde os primeiros Missionários chegaram nos inícios do século XX.

D. Flávio Giovenale, Salesiano, é o Bispo de Cruzeiro do Sul desde 19 de setembro de 2018, após a celebração do centenário da presença Espiritana nestas paragens do Acre. Encontrei-o no seu Paço e dele escutei palavras de rasgado elogio a quanto os Espiritanos aqui fizeram, mas, sobretudo, gostei de escutar o seu apelo a uma presença Espiritana cada vez mais forte.

A História dá sempre grandes lições de vida e, por isso, é muito importante estimular o estudo, a investigação e a posterior escrita histórica para conhecermos mais e melhor uma terra e um povo. O P. Herbert Douteil, Espiritano alemão, com 88 anos de vida intensa, chegou ao Alto Juruá em 1979 e por aqui corajosamente permanece. As longas conversas com ele mantidas, ajudaram-me a conhecer melhor a história deste povo e esta Igreja local. Coube-lhe a responsabilidade de preparar um pequeno opúsculo para contar ao mundo a história dos primeiros cem anos da presença Espiritana. A publicação recebeu o título de ‘Missão Impossível’ e gasta boa parte das suas páginas a contar a vida dos 36 Espiritanos que por aqui passaram, seis dos quais ainda cá vivem. Entre os biografados estão filhos da terra que ocupam hoje responsabilidades de destaque: destaco D. José Altevir (Bispo do Tefé) e o P. Leonardo Silva (Provincial do Brasil).

Mas por lá passaram D, Sérgio Castriani (foi Arcebispo de Manaus) e D. Francisco Merkl (Bispo Emérito de Humaitá), ambos no Amazonas.

Os últimos anos foram marcados pela interculturalidade Espiritana, tendo-se juntado aos missionários alemães e brasileiros, confrades do Gana, de Angola, do Congo Kinshasa e do Haiti. Aqui vivi um Natal vivo e feliz. Contarei, na próxima crónica, os muitos encontros e celebrações que me encheram a alma e inflamaram a chama missionária Espiritana.

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Agência ECCLESIA

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