Tony Neves, em Roma
Dom Dieudonné Nzapalainga, Missionário Espiritano, 54 anos, é o mais jovem Cardeal da Igreja. Natural da República Centro Africana (RCA), é o Arcebispo de Bangui, a capital.
A RCA continua a ferro e fogo. Como em todas as guerras, quem sofre é o povo que é morto, torturado, deslocado, abusado. Em 2013, surge a Plataforma Inter Religiosa para a Paz. O país estava tomado de assalto por grupos rebeldes, auto-proclamados islâmicos. Semearam o pânico, mataram, destruíram. A própria capital ficou dividida em bairros prós e contra. Os três líderes das grandes Comunidades Religiosas na capital reuniram-se e decidiram avançar juntos para a reconciliação: o Cardeal Dieudonné, o Imame Omar Kobine Layama e o Pastor Nicolas Gbangou. Abriram uma das páginas mais belas da história recente deste país, apresentada como exemplo para a África e o resto do mundo.
O Papa Francisco surpreendeu tudo e todos na decisão de se deslocar a uma cidade a arder, Bangui, para lá abrir o Jubileu do Ano da Misericórdia. Viu-se ali um Papa ‘cirúrgico’ nas escolhas de viagens, gestos simbólicos ou metáforas a utilizar. Foi um ‘milagre’, confessa emocionado o Cardeal. Assim, a 30 de novembro de 2015, abriu de par em par a Porta Santa da Catedral de Bangui, lançando um grito à intervenção e ajuda da comunidade internacional para que a estabilidade e a paz regressassem à RCA. O Papa disse: ‘Bangui tornou-se hoje a capital espiritual do mundo. O Ano Santo da Misericórdia chega antes a esta terra, uma terra que sofre há diversos anos a guerra, o ódio, a incompreensão, a falta de paz’. As imagens correram o mundo e a RCA passou a constar no mapa dos países a ser apoiados.
Mas, depois de seis meses de graça, a violência regressou em força com os rebeldes a controlar, novamente o país, situação dramática que se estendeu até ao início de 2021, quando as tropas do governo retomaram as suas posições. Para os rebeldes, só interessam os diamantes, o ouro e o gado…
A Igreja de Nossa Senhora de Fátima, em Bangui, foi palco de um dos atentados mais assassinos desta guerra cruel. Foi a 1 de maio de 2016, festa de S. José Operário. Um bando rebelde atacou a Igreja durante a Missa, disparando sobre os padres e o povo. Mataram um Padre e seis fiéis.
2017 é marcado pelo grande ataque dos rebeldes a Bangassou, terra natal do Cardeal Dieudonné. O ano seguinte, 2018, voltou a ser terrível. Os rebeldes tomaram de assalto todas as cidades do país fazendo colapsar as estruturas de governo e ordem pública. A situação humanitária tornou-se de uma gravidade extrema e a insegurança total. Alindao, outra cidade, foi barbaramente atacada e seis dezenas de pessoas foram massacradas. No Paço Episcopal mataram dois padres. D. Dieudonné deslocou-se a Alindao e, no regresso a Bangui, deu uma conferência de imprensa juntamente com o Imame Layama, começando por gritar: ‘nós não nos podemos calar!’ E, estes dois líderes denunciaram a incapacidade das forças governamentais e dos militares internacionais de pararem com as barbaridades deste grupo armado que agia com total impunidade, aterrorizando as populações indefesas. Falaram ainda da desnutrição da população em geral, pedindo apoio urgente da comunidade internacional.
2021 nasceu como um ano mais calmo. Antes de dezembro 2020, confidencia o Cardeal, ¾ do país estava nas mãos dos rebeldes. O Card. Dieudonné respira fundo quando fala daquele 19 de dezembro passado em que um grupo enorme de rebeldes tentou tomar Bangui, tendo sido apenas parado à entrada da cidade. Actualmente, 80% do território está controlado pelo governo! Pode-se circular à vontade em Bangui. Fora é preciso ter cautela porque os rebeldes estão escondidos, mas continuam armados e agora atacam nas estradas e caminhos.
Apelidado num livro como ‘Cardeal Coragem’, D. Dieudonné disse que só correu o risco de ir ao encontro dos rebeldes de mãos livres e vazias porque ‘a coragem abastece-se e fortalece-se na fonte da Fé’. E recorda os telefonemas da mãe a pedir-lhe que não arriscasse, a que ele respondeu: ‘Mãe, eu sou Bispo, esta é a minha Missão. Não me peça para não arriscar, não me acrescente problemas. Antes, reze. Se eu morrer, sei porque é que deixei esta vida!’.
Quando o confrontaram com o facto de ele estar num pedestal diante da comunidade internacional, a resposta dele é outra: ‘sou pobre, vindo de um país pobre. Não tenho motorista, ninguém me abre e fecha portas, não deixo que a vaidade tome conta de mim. Se eu aceitasse, o governo tinha-me dado carro e guarda costas. Nunca aceitei. Eu fico com o povo. Vêm à minha casa ministros e pobres. Recebo todos. E vou ao encontro de todos, não medindo riscos. Não tenho medo do desafio das periferias. Gosto de lá estar. Como o Papa Francisco diz, somos Igreja em saída’.