Tony Neves, em Roma
Dois meses neste grande Brasil ‘verde-amarelo’ imprimiram em mim marcas fortes. Fiz milhares e milhares de kms, de avião, comboio, metro, autocarro, automóvel, barco e a pé. Cheguei a S. Paulo, fiz ida e volta a Belo Horizonte (Minas Gerais). Rumei ao Cruzeiro do Sul (Acre amazónico), com escalas em Brasília e Rio Branco. Depois de regressar a S. Paulo, vivi em diversas favelas e outros bairros periféricos, tendo a alegria de dar um salto à Ilha de Guarujá, ali ao lado da Cidade de Santos e do primeiro Município do País, São Vicente. Foram dias felizes, apesar do calor intenso e das tempestades frequentes nesta época do ano, quando acontece o Natal, o Ano Novo e se aguarda e prepara o Carnaval.
Marcou-me a passagem por Três Corações, cidade-natal de Pelé. Terra de café, na estrada que liga S. Paulo a Belo Horizonte, mostra a quem passa o orgulho de ali ter nascido o rei do futebol.
Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, escutou do Papa João Paulo II este elogio à sua beleza: ‘Mas que belo horizonte!’. De facto, do local onde o Papa celebrou Missa vê-se uma paisagem de sonho que os meus olhos também puderam contemplar.
S. Paulo voltou a provocar-me espanto pela sua dimensão. Quando aterramos ou levantamos voo, percebemos que se trata de uma cidade enorme, uma autêntica floresta de betão, com prédios e mais prédios em construção. Se as estatísticas não enganam, o Estado de S. Paulo tem 45 milhões de habitantes, a Grande S. Paulo tem 22,5 e a cidade ultrapassa os 12 milhões!
Provoca dor de alma entrar nas favelas, cada vez mais numerosas e populosas. O contraste entre ricos e pobres é demolidor da consciência da humanidade e aqui em S. Paulo é por demais evidente e chocante. O drama que as populações mais pobres vivem é enorme e tende a agravar-se. O número de moradores de rua é altíssimo, bastando aceitar os dados oficiais: 42 mil! Tem havido tentativas das autoridades de expulsar da cidade os sem abrigo, mas essas operações de limpeza não resolvem o problema, apenas o deslocam.
A Igreja Católica é a instituição mais forte do país e as estatísticas falam por si: são 326 Bispos no ativo e 157 Bispos Eméritos! A Igreja está presente em todas as realidades humanas, intervindo a nível de paróquias, mas também atua nas favelas, nas instituições educativas, nos hospitais, nas prisões, nas forças armadas, nos movimentos cívicos, na defesa dos povos indígenas, dos sem terra, sem tecto e sem trabalho, nas associações de solidariedade social, na defesa dos deslocados, migrantes e refugiados, na proteção ambiental da casa comum…
Viver e fazer pastoral nas favelas e outros bairros onde vivem populações pobres é uma imagem de marca dos missionários. Fiquei muito feliz por experimentar esta opção pelos mais pobres e descartados, num combate ao que o Papa Francisco chama ‘a globalização da indiferença’.
A violência – com muitas expressões – está muito presente no país, particularmente nas grandes cidades. Ondas de assaltos, crimes de toda a espécie, rixas em estádios, transportes, praias, parques e outros espaços de lazer, estão a condicionar a vida das populações que se sentem constantemente ameaçadas.
Quer no Acre Amazónico, quer no interior do Estado de S. Paulo, pude encher os olhos da beleza de uma natureza fantástica. Estes pulmões do mundo também mostram a riqueza da biodiversidade que interesses económicos deitam, muitas vezes, tudo a perder. As ganâncias do ter levam à desflorestação, com o objetivo de aumentar espaços do chamado ‘agro-negócio’ que hoje assenta mais na criação do gado graúdo e na produção industrial da soja.
Terminei em grande esta visita ao Brasil, com a participação no Capítulo dos Espiritanos que aqui vivem e trabalham. Marcou-me a simplicidade das suas vidas, o compromisso claro pelos mais pobres, a dedicação à causa do Evangelho, o seu testemunho de vida fraterna em comunidades que servem, na sua maioria, populações pobres.
Em ano de Eleições Municipais, deixo este país ‘verde-amarelo’ com os votos escritos pelo Cardeal de S. Paulo, D. Odilo Scherer: ‘Esperamos que o Brasil cresça em justiça, solidariedade e pacificação. Que tal investirmos nosso tempo ‘público’ nessas e em outras boas metas comuns?’.
Tony Neves, em Roma