Tony Neves, nos musseques de Luanda
Desculpem que vos confesse: quando chego a Luanda, gosto de descer à Baixa e passear-me pela Baía. É uma beleza. Pude faze-lo, desta vez, acompanhado pelo P. Eduardo Tchapeseka, actualmente missionário em Espanha. Além do ar fresco do cacimbo, a Baiá oferece uma belíssima vista sobre a Ilha de Luanda e, quando nos voltamos para a cidade, vemos os grandes prédios da marginal e edifícios simbólicos como o do Banco Nacional. Só ficamos ambos tristes por ver que a emblemática fortaleza de S. Paulo foi abafada pela construção de um enorme Centro Comercial! Esta é uma das partes bonitas de Luanda que mostra progresso e bem-estar. Pude passar por outras áreas em grande alvoroço de betão, ficando com a sensação de que tantos arranha-céus não vão ter espaços correspondentes à superfície para carros e peões…
Mas…(e há sempre mas!), fui a outras partes da capital, sobretudo aos musseques, e lá vi o outro rosto da cidade. Cresceu demais, de forma caótica, com kms de habitações rasteiras e muito pobres, albergando milhões de pessoas. Boa parte delas chegaram a Luanda para fugir da guerra que dizimava as populações do interior. Outras vieram à capital à procura das oportunidades de trabalho que, muitas vezes, não aparecem. Uma vez aqui, toca a inventar formas de sobrevivência, nem sempre as melhores. Assim, cresceram e ainda crescem estes bairros onde não há ruas asfaltadas, nem água, nem saneamento, abrindo as portas a toda a espécie de doenças.
Vou dar exemplos, para ser claro. Passei duas noites no Kikolo. Para lá chegar, depois de percorridas boas estradas, entrei em becos de pó e buracos onde muita gente arrisca andar a pé no meio de motos e carros velhos que semeiam o perigo. Há montes de lixo por todo o lado e – garantiram as Irmãs que aí vivem e me acompanharam – que, quando chove, fica um mar de lama, intransitável. Claro que nestes contextos de miséria extrema, além das doenças que provocam muitas mortes, há focos de violência enormes. A insegurança é total, os assaltos violentos são diários e as pessoas vivem sempre com o coração nas mãos. Mas, como me confidenciaram diversos habitantes deste musseque, há que assumir que a vida é um risco contínuo e é preciso, a todo o custo, ganhar o pão de cada dia.
A vida dos musseques tem um lado muito bom: a maioria das pessoas é de uma honestidade e capacidade de trabalho invejáveis. Levantam-se antes do sol, lutam todo o dia e entram em casa noite dentro para preparar algo para os filhos e tentar dormir um pouco. É uma labuta diária que, na maioria dos casos, é também sustentada pela Fé que os motiva e fortalece. As Irmãs com quem estive vivem perto do mercado popular, um enorme espaço a céu aberto onde tudo se compra e vende, ou quase. Ali chegaram há alguns anos e decidiram apoiar a paróquia na pastoral, mas quiseram ir mais longe: tentar abrir janelas de futuro às crianças e jovens, construindo uma Escola, que ainda dirigem. São mais de mil os alunos, que lançam enormes desafios, pois é preciso ajudá-los a crescer. Estas crianças e jovens passam boa parte do tempo entregues a si próprios, naqueles becos do musseque, nem sempre rodeados pelas companhias mais construtivas. Pude constatar que se trata de um trabalho de enorme risco, mas também de grande sentido de responsabilidade social e cristã. Muitos dos adolescentes e jovens que por ali passaram, conseguiram ir longe, tirar o seu curso, encontrar o seu trabalho e construir a sua família. São alguns dos raros sinais de esperança e de futuro que vemos nestas áreas de cidade onde a pobreza é imagem de marca.
Passei também um dia no Bairro Rocha Pinto, num musseque perto do aeroporto, na Paróquia de Nossa Senhora da Paz. Olhando a toda a volta, vêem-se kms de construções frágeis e percebe-se que ali vivem milhares de pessoas, pois estão cheios de gente estes os caminhos estreitos de terra batida. Também ali a Igreja faz um importante trabalho pastoral e social. A Missa dominical que celebrei na Comunidade da Congeral, no Prenda, também me ajudou a perceber a pobreza do povo, mas mostrou-me a alegria e a fé profunda de uma Comunidade Cristã que luta na construção da sua Igreja, para além de assegurar a sobrevivência das suas famílias.
Sigo para o Lubango e acompanho o luto nacional pela morte do ex-Presidente Eduardo dos Santos. Voltaremos…