LUSOFONIAS – Justiça e Paz em Angola

Tony Neves, em Roma

Angola prepara-se, com pompa e circunstância, para celebrar os 50 anos da independência. As razões para tal evento são indiscutíveis e a sua preparação remota é perfeitamente justificável. Já se distribuíram muitas medalhas de condecoração e o programa das festas está quase fechado. Os angolanos querem – e com justa razão – que esta comemoração cinquentenária marque uma viragem na história do país e que se continue a trabalhar na construção de uma Angola justa, desenvolvida, fraterna e inclusiva.

Há, contudo, indicadores menos positivos e até preocupantes, a marcar a vida difícil de boa parte dos cidadãos deste país lusófono. Se a frágil democracia não foi ainda capaz de gerar equilíbrios sociais, o enorme aumento dos preços dos combustíveis veio pôr a nu desigualdades gritantes que podem degenerar em convulsão popular difícil de controlar.

O importante é avançar, construir, gerar sentido de família e de pertença, numa base de fraternidade e igualdade de oportunidades, assente no respeito dos mais elementares direitos das pessoas e dos povos. Ora, é neste ponto que se torna fundamental insistir e investir. Sendo uma instituição forte e interveniente a todos os níveis e em todas as dimensões da vida do povo, as palavras da Igreja católica devem ser muito tomadas a sério, para bem de todos. Assim, após várias intervenções mais pessoais, pronunciadas por diversos hierarcas católicos, chegou a vez da Comissão Justiça e Paz do Episcopado se pronunciar sobre a explosiva situação que se vive em Angola, sobretudo nos ambientes onde as populações são mais pobres e socialmente abandonadas. O título da Nota de Reflexão merece ser tomado a sério: ‘sobre a situação atual que o povo vive’. Também é desafiante a frase bíblica escolhida para inspirar o texto: ‘Ouvi o clamor do meu povo!’ (Ex 3,7-14).

Olhemos para o texto, assinado pelo Arcebispo do Huambo, D. Zeferino Zeca Martins, presidente da Comissão Episcopal JPIC. Começa por dizer: ‘erguemos a voz pela paz social e em defesa dos que menos podem suportar a carestia de vida, nos últimos tempos agravada com o aumento generalizado dos preços’.

O documento tem oito pontos e é um apelo dirigido aos decisores públicos e a todas as forças sociais, com o objetivo claro de encontrar soluções para a crise agora agravada. Pedem-se concertações sociais antes de implementar medidas e tomar decisões. A Nota chama a atenção para a excessiva carga fiscal que recai sobre os mais frágeis, atentando contra a sua dignidade e esmagando os seus direitos. Assim – diz o texto – é alto o risco da degeneração em violência de atitudes resultantes da indignação popular. E, claro, tendo havido sinais de repressões indevidas da parte das forças de ordem, pede-se mais contenção e liberdade de expressão e manifestação, evitando-se a radicalização de lutas que podem degenerar em formas extremas de violência.

A Igreja Católica vive, à escala do planeta, um tempo de Jubileu, assente no valor da Esperança. Neste contexto jubilar, esta Nota pede a todas as pessoas de boa vontade para que se aprofundem e avaliem as consequências das opções e decisões sócio económicas assumidas no exercício do poder político. Pede-se ao Governo que reveja as últimas medidas económicas e que estude alternativas para que os mais pobres não sejam sempre os mais penalizados em tempo de crise. Esta documento pede que os sindicatos e outras organizações da sociedade civil sejam aliados na procura dos caminhos de solução para os problemas graves que afetam o país e que não sejam vistos e tratados como adversários a abater.

A Comissão Justiça e Paz da CEAST pede ao Governo uma prenda para o povo: aligeirar o fardo de uma economia penalizante, como se sente pelo seu grito de socorro. Pede-se um combate ao endividamento estéril e ao esbanjamento dos bens da Nação. Estes devem produzir riqueza interna a ser aplicada em bens duráveis.

A Igreja Católica reconhece as grandes conquistas democráticas garantidas pela independência. Fiquemos com a recomendação final: que, ‘ao celebrar esta festa nacional, nos coloquemos diante do barómetro dos princípios da democracia e façamos o retracto da nossa caminhada no que à afirmação de direitos e liberdades diz respeito’.

Tony Neves, em Roma

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