LUSOFONIAS – Impacto ‘Laudato Si’

Tony Neves, em Roma

O mundo mudou a 24 de maio de 2015. O Papa Francisco publicou, neste dia, a encíclica social ‘Laudato Si’. É, até ao momento, o texto papal mais citado, comentado e divulgado. Gerou amigos e inimigos, foi alvo de reacções de todas as qualidades e feitios, o que se explica pela actualidade do tema e pelos interesses económicos que põe em risco. Passaram-se quase seis anos, que balanço?

A primeira conclusão a que eu chego é que o Papa conseguiu impor ao mundo um novo conceito: ecologia integral. Não se fala mais só de plantas, animais e minerais, de terra, água e ar, pois tudo está interligado. As pessoas não são excluídas do âmbito ecológico, mas, pelo contrário, são o seu motor, a parte mais responsável. Por isso, a ecologia integral diz que é preciso amar os pobres e proteger a natureza. Assim, caem por terra perspetivas muita reducionistas da ecologia, quando o mundo era capaz de fazer parar a história por causa do habitat de um sapo, mas deixava morrer na pobreza extrema milhões de pessoas! Não: as pessoas são o melhor do mundo, é nelas que é necessário investir primeiro. E, ao mesmo tempo, fica claro que a Terra é a casa comum de todos que é preciso respeitar e proteger.

Para continuar a alimentar esta chama da ‘ecologia integral’, o Papa Francisco propôs um ‘Ano Laudato Si’, iniciado a 24 de maio de 2020 e a concluir no próximo dia 24. O Dicastério Romano para o Desenvolvimento Humano Integral – criado após a publicação desta encíclica – ficou responsável da sua organização e da concretização do programa elaborado. Está escrito: ‘cinco anos se passaram, e a encíclica parece cada vez mais oportuna’. Mais à frente, o texto diz: ‘não podemos mais ficar indiferentes ao desesperado ‘clamor da terra e clamor dos pobres (LS 49)’. Fazendo alusão à pandemia que nos vitima, o Dicastério afirma que ‘a encíclica pode realmente fornecer uma bússola moral e espiritual capaz de criar um mundo mais solidário, fraterno, pacífico e sustentável(…), criar uma maneira nova de viver juntos, unidos no amor, compaixão e solidariedade’. E, ultrapassando visões mais ingénuas, pede-se conversão ecológica e acção imediata: ‘a urgência da situação exige respostas imediatas’.

Roma avançou com iniciativas que estão a abanar muitas áreas da vida do mundo: a ‘Aliança global da Educação’ tentou lançar as bases de uma formação humana integral; a ’Economia de Francisco’, congregou especialistas na área que ajudem a mudar todas as práticas económicas que geram mais pobreza e matam os mais frágeis, descartando-os.

A ‘Querida Amazónia’ (12.02.2020), que resultou do Sínodo sobre a Amazónia, é um dos frutos mais visíveis da Laudato Si. Assenta nos quatro sonhos: o social, o cultural, o ecológico e o eclesial.

Após a ‘Laudato Si’, a terra abanou. Afinal, quase todo o mundo percebeu que o fenómeno das alterações climáticas é apenas a ponta visível que um grande iceberg. A consciência de que estamos à beira do abismo levou figuras públicas, cientistas, países e instituições internacionais e gritar e propor mais e melhor intervenção. Avanço apenas com o exemplo da França que lançou a Convenção dos Cidadãos pelo Clima que, a 21 de junho de 2020, aprovou 150 propostas para reduzir as emissões de gás que provocam o efeito de estufa, aquecendo sempre e mais o planeta. Foi, já este ano, aprovado, em Paris, o Projeto de Lei sobre o Clima.

Mais recentemente, a 22 de abril – Dia Mundial da Terra – e 23, realizou-se uma Cimeira virtual pelo Clima, convocada por Joe Biden – a provar que os EUA estão de regresso as Acordos de Paris – , onde se ouviram os líderes dos países mais ricos (incluindo toda a União Europeia) a comprometer-se na redução de emissões dos gazes que alargam o buraco na camada de ozono…Aguarda-se agora a próxima Cimeira do Clima (Cop 26), a realizar em Glasgow, em novembro. É evidente a complexidade deste dossier porque muitas das decisões que se esperam entram em colisão frontal com interesses instalados que fazem escorregar milhões para os bolsos de uns tantos. E há que aceitar que também é muito complicado beliscar hábitos instalados e adquiridos cuja mudança radical pode provocar reacções brutais.

O importante é pôr mãos à obra antes que seja tarde. São necessárias coragem e lucidez política para quem decide. Exige-se, igualmente, sentido de responsabilidade social do povo para aceitar as consequências das decisões tomadas que implicarão um estilo de vida mais simples e sóbrio. É bom notar que, regra geral, as novas gerações estão mais sensíveis e são mais criativas e ágeis na hora de intervir.

Há que construir um mundo ‘Laudato Si’, sempre com a convicção de que tudo está interligado, estamos todos na mesma arca e na mesma barca: ou nos salvamos juntos ou nos afogaremos todos. O futuro da Terra está nas nossas mãos!

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Agência ECCLESIA

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