Tony Neves
O Sínodo tomou conta da Igreja nos últimos tempos. Este ‘caminhar juntos’ não é tarefa fácil e exige muita escuta, diálogo, partilha, oração, abertura à inspiração do Espírito Santo. Somos Igreja, uma família com o tamanho do mundo, muito plural e, por isso mesmo, rica numa diversidade que gera também tensões que urge resolver e ultrapassar.
O profeta Isaías, homem de Deus em tempos muito difíceis e desafiantes, inspira a nova fase sinodal, agora que já foi publicado o Documento de Trabalho para a Etapa Continental. Grita o profeta: ‘Alarga o espaço da tua tenda!’ (Is 54,2). Este Documento partilha, em 109 pontos, o que está a ser, à escala do planeta, a experiência do processo sinodal, faz um apelo à escuta das Escrituras, aponta na direção de uma Igreja sinodal missionária e apresenta os próximos passos desta caminhada eclesial. Este longo texto assume todos relatórios vindos do mundo inteiro e foi preparado por uma equipa plural de peritos. Na sua introdução é reafirmado que ‘os verdadeiros protagonistas do Sínodo são todas estas pessoas que participaram!’ (nº1). A tenda (segundo Isaías) ‘é um espaço de comunhão, um lugar de participação e uma base para a missão’. Há cinco tensões generativas que se cruzam: ‘a escuta como abertura ao acolhimento a partir do desejo de inclusão radical; o impulso para a saída em missão; o assumir um estilo baseado na participação; a construção de possibilidades de vida em comum, de participação e missão; a liturgia, particularmente a eucarística, fonte e cume da vida cristã’ (nº11). A Igreja é vista, segundo muitas sínteses, como esta tenda de Isaías: ‘uma morada ampla, mas não homogénea, capaz de dar abrigo a todos, mas aberta, que deixa entrar e sair (cf Jo 10,9), e em movimento para o abraço com o Pai e com todos os outros membros da humanidade’ (nº27).
O sonho de uma Igreja sinodal missionária traz algumas preocupações claramente expressas. Dou o exemplo da opção pelos jovens, as pessoas com deficiência e a defesa da vida: ‘é universal a preocupação pela escassa presença da voz dos jovens no processo sinodal, assim como na vida da Igreja, de modo crescente’ (nº35). Diz adiante: ‘As pessoas pedem que a Igreja seja um refúgio para quem está ferido e caído, não uma instituição para perfeitos’ (nº39). Há, nas diversas sínteses, um apelo constante a que se abracem os grupos excluídos: ‘os mais pobres, os idosos sozinhos, os povos indígenas, os migrantes sem alguma pertença e que levam uma existência precária, as crianças da rua, os alcoolizados e drogados, aqueles que caíram nas redes da criminalidade e aqueles a quem a prostituição representa a única possibilidade de sobrevivência, as vítimas do tráfico humano, os sobreviventes aos abusos (na Igreja e não só), os presos, os grupos que sofrem discriminação e violência por causa da raça, etnia, género, cultura e sexualidade’ (nº40).
Diz ainda o texto que ‘o Povo de Deus exprime o profundo desejo de ouvir o grito dos pobres e da terra’. Trata-se de um ‘apelo a um renovado ecumenismo e ao compromisso inter religioso, particularmente forte nas nações marcadas por uma maior vulnerabilidade aos danos socio-ambientais e de desigualdades mais notórias’ (nº45).
A perseguição religiosa é forte e ‘são muitas as sínteses que sublinham a insegurança e a violência que devem enfrentar as minorias cristãs perseguidas’ (nº52). Vários textos põem em relevo que existe também um ‘ecumenismo do martírio’, onde as perseguições continuam a unir os cristãos’ (nº48).
Tema maior é o do lugar da mulher na Igreja onde as mulheres são maioria sem poder e os homens quase desaparecem: ‘a Igreja deve encontrar o modo de atrair os homens a uma pertença mais ativa e permitir às mulheres participar mais plenamente em todos os níveis da vida da Igreja’ (nº61). Há que mudar o que for necessário mudar: ‘caberá ao direito canónico acompanhar este processo de renovação das estruturas, também através das necessárias modificações das ordens atualmente em vigor’ (nº71). A corresponsabilidade tem de aumentar no seio da Igreja e há que valorizar o papel dos Conselho Pastorais, ‘chamados a ser sempre mais lugares institucionais de inclusão, diálogo, transparência, discernimento, avaliação e responsabilização de todos’. (nº78). Há que ‘crescer numa espiritualidade sinodal’ (nº84) porque ‘para que haja sinodalidade, é necessária a presença do Espírito e não há Espírito sem oração’ (nº72).
Decisivos serão os próximos passos, assentes numa Igreja em saída, missionária, atenta aos sinais dos tempos ‘de modo a seguir na direção que o Espírito Santo nos indica’ (nº100), através da ‘escuta e do diálogo’, caminhos para aceder aos dons do Espírito (cf. nº102), com a firme convicção de que ‘todos são chamados a tomar parte nesta viagem, ninguém é excluído’ (nº103).
O que falta fazer: por continentes, reagir a este Documento e responder às questões que ele colocar. E, sobretudo, rezar, partilhar, conversar, agir em conjunto, abrir-se ao Espírito para que Ele abra à Igreja, de par em par, os caminhos do futuro.