Tony Neves, em Jancido – Gondomar
‘Viva o S. Ovídio!’ – grita-se em coro por terras de Jancido, a uma quinzena de quilómetros do Porto. É a minha aldeia natal, onde nasci e cresci a celebrar este santo. A sua biografia atira-nos para os inícios do cristianismo, em tempos de perseguição no império romano a que Portugal pertencia, por ocupação. Durante anos a fio, a vida do santo pouco ou nada me dizia, mas a festa era um dos grandes marcos da vida da aldeia, a par do Natal e da Páscoa.
Quando olhamos para o programa das festas, vemos que a maior fatia não toca às celebrações religiosas. Mesmo assim, há um Tríduo de preparação, a Missa da madrugada, a Missa da Festa e a Procissão na tarde de domingo. Nada mau! As grandes enchentes de povo acontecem nas noites de sábado, domingo e segunda, com ranchos, concertos, bandas de música e fogo de artifício.
Seria lógico perguntar se Jancido poderia sobreviver sem o Santo Ovídio? Poderia, mas era a mesma coisa! O mesmo se diga da União Desportiva Sousense ou dos Moinhos de Jancido! A solenidade do padroeiro une a aldeia, cria laços, congrega as famílias, proporciona momentos de muita festa. Mas é muito mais que isso: de um ano para o outro, é apontada uma lista de pessoas para constituir a próxima Comissão de Festas, regra geral, com gente jovem. Muitos aceitam este desafio e trabalham o ano todo, com iniciativas criativas, para juntar os fundos necessários para organizar a festa que, como todos sabem, custa muito caro! É bom perceber nas novas gerações um enorme sentido de cidadania responsável, com gente capaz de dar-se até ao limite das suas forças, de forma absolutamente voluntária, para que o povo honre o seu padroeiro e tenha direito a uma festa de alta qualidade.
Momento sempre alto é o da apresentação do Programa das Festas. Acontece um mês antes e proporciona uma noite de surpresas, quase sempre agradáveis. Este ano, o Santo Ovídio teve duas excelentes Bandas de Música, dois Ranchos, uma noite com DJ, uma outra noite de humor com grandes nomes da TV e, a concluir as festas, um concerto com os D.A.M.A. Isto, para além do fogo de artifício que encheu os céus de Jancido de cor e beleza à meia noite do domingo.
Há muito quem critique as festas populares que do Santo só guardam o nome. Não é o caso do S. Ovídio, pois os momentos de marca religiosa foram muito participados e vividos com devoção e respeito. Recordo a Procissão Solene, realizada na tarde de domingo, com muitos andores e uma multidão de pessoas a participar ou a vê-la passar com silêncio e veneração pela solenidade do momento. E, claro, a Missa Solene, com uma animação muito alegre e participada, assegurada pelo coro que congrega pessoas de todas as idades.
A Festa da minha aldeia é imagem de marca da nossa pequena comunidade. Não me imagino sem ela e, no dia em que ninguém aceitar ser membro da Comissão de Festas, a aldeia assinará a sua certidão de óbito como comunidade. Mas – claro – quero que o Santo e a sua vida e missão não sejam o parente pobre das festividades. Os santos são sempre motivo de inspiração, pela sua vida e pelo que fizeram… Santo Ovídio foi, nos primeiros séculos da Igreja, um grande missionário, um pastor corajoso (arcebispo de Braga em tempos de perseguição), homem próximo do povo (com cheiro às suas ovelhas, diria hoje o Papa Francisco). Totalmente dedicado a elas, viveu para elas, morreu por elas. Sim, o Bom Pastor conhece as ovelhas pelo nome, vai à sua frente para indicar as pastagens verdejantes, enfrenta toda a espécie de lobos, vai à procura das ovelhas tresmalhadas e, se for preciso dá a vida. Assim aconteceu com S. Ovídio, mártir, sabendo nós que não há maior prova de amor do que dar a vida pelos amigos. Diante de uma vida tão radical, temos motivos suficientes para continuar a celebrar.
Cantámos, dançámos, confraternizámos, convidámos familiares e amigos para a nossa mesa, fizemos festa. Uma comunidade viva sabe encontrar-se nas horas difíceis e nas horas felizes. O património que as festas patronais constroem não se pode delapidar. E, como diz o Hino que se cantou na Missa da Festa, ‘Santo Ovídio foi Pastor/ Terno, simples e humano/ Deu a vida por amor / Como Bom Samaritano’.
Tony Neves, em Jancido – Gondomar