Tony Neves, em Roma
O Papa Francisco tem uma longa experiência de diálogo ecuménico e inter-religioso e não tem dúvidas de que ‘as várias religiões oferecem uma preciosa contribuição para a construção da fraternidade e a defesa da justiça na sociedade’ (FT 271). O nosso contributo especifico de pessoas crentes é o de acreditarmos num ‘fundamento único’: ‘como crentes, pensamos que, sem uma abertura ao Pai de todos, não podem haver razões sólidas e estáveis para o apelo à fraternidade’ (FT 272).
A nossa experiência de fé esclarecida e vivida, acumulada ao longo de milénios, fornece-nos a convicção de que ‘tornar Deus presente é um bem para as nossas sociedades’ (FT 274). E a história também nos diz que aprendemos com inúmeras fraquezas e quedas.
Vivemos tempos marcamos pela exclusão da dimensão religiosa do espaço público. O Papa Francisco pede para se rever esta atitude pois, segundo ele, ‘não se pode admitir que, no debate público, só tenham voz os poderosos e os cientistas. Deve haver um lugar para a reflexão que provém de um fundo religioso que recolhe séculos de experiência e sabedoria’ (FT 275).
Ao olhar para a Missão da Igreja, o Papa lembra ao mundo que, além dos âmbitos da assistência social e humanitária e da educação, a Igreja ‘busca a promoção das pessoas e a fraternidade universal’ (FT 276). E deve cumprir a sua missão sem exclusões porque é ‘uma casa com as portas abertas, porque é Mãe’ (FT 276).
O diálogo com as outras Religiões é valorizado porque nelas há muito de verdadeiro e santo. Mas temos algo de específico a dar ao mundo: ‘como cristãos, não podemos esconder que, ‘se a música do Evangelho pára de vibrar nas nossas entranhas, perderemos a alegria que brota da compaixão, a ternura que nasce da confiança, a capacidade da reconciliação que encontra a sua fonte no facto de nos sabermos sempre perdoados-enviados. Se a música do Evangelho cessar de repercutir nas nossas casas, nas nossas praças, nos postos de trabalho, na política e na economia, teremos extinguido a melodia que nos desafiava a lutar pela dignidade de todo o homem e mulher’ (FT 277). Reconhecemos a riqueza de outros que bebem de outras fontes.
Habitualmente, os documentos pontifícios terminam com uma referência a Maria. Aqui vem antes: ‘para muitos, este caminho de fraternidade tem também uma Mãe, chamada Maria. Ela recebeu junto da Cruz esta maternidade universal e cuida não só de Jesus, mas também do resto da sua descendência. Com o poder do Ressuscitado, Ela quer dar à luz um mundo novo, onde todos sejamos irmãos, onde haja lugar para cada descartado das nossas sociedades, onde resplandeçam a justiça e a paz’ (FT 278).
Francisco volta ao tema quente e atual da liberdade religiosa e pede aos líderes políticos do mundo inteiro que, onde os cristãos são minoria, lhes seja dada a liberdade de culto e de missão. Essa mesma liberdade seja também favorecida a crentes de outras religiões nos países de maioria cristã. Tudo isto porque ‘existe um direito humano fundamental que não deve ser esquecido no caminho da fraternidade e da paz: é a liberdade religiosa para os crentes de todas as religiões’ (FT 279).
A unidade plural dentro da Igreja também é condição de fraternidade: ‘unidade que se enriquece com diferenças que se reconciliam pela ação do Espírito Santo’(FT 280).
A religião nunca caminha de mãos dadas com a violência. Mas abre espaços comuns de solidariedade: ‘Os crentes precisam de encontrar espaços para dialogar e atuar juntos pelo bem comum e a promoção dos mais pobres’ (FT 282). E deve ficar claro que ‘a violência não encontra fundamento algum nas convicções religiosas fundamentais, mas nas suas deformações’ (FT 282). Daí a urgência de ‘interromper o apoio aos movimentos terroristas através do fornecimento de dinheiro, armas, de planos ou justificações e também a cobertura mediática, e considerar tudo isto como crimes internacionais que ameaçam a segurança e a paz mundial. É preciso condenar tal terrorismo em todas as suas formas e manifestações’ (FT 283).
Deus não precisa que ninguém o defenda em seu nome e cada líder religioso deve ser um mediador autêntico, ‘artífice da paz, unindo e não dividindo, extinguindo o ódio em vez de o conservar, abrindo caminhos de diálogo em vez de erguer novos muros’ FT 284).
Fratelli Tutti termina com uma Oração ao Criador e uma Oração cristã ecuménica. A mensagem final do Papa é clara: ‘Em nome de Deus e de tudo isto (…) declaramos adotar a cultura do diálogo como caminho; a colaboração comum como conduta; o conhecimento mútuo como método e critério’ (FT 285).
O mundo precisa de referências e o Papa pede para olharmos as vidas de Luther King, Desmond Tutu, Gandhi e Carlos de Foucauld. São luzes de fraternidade universal para os caminhos dos tempos que são os nossos.